terça-feira, 28 de agosto de 2012

Anarkilópolis


" Jack Daniels de montão eu vou beber
E fazer tudo que eu quero fazer
Cada um manda no seu nariz

Por isso que o povo lá é feliz"




segunda-feira, 27 de agosto de 2012

Juliano Gauche interpreta Sampaio com maestria


CD "Hoje não!" de Juliano Gauche com a obra de Sérgio Sampaio

Juliano Gauche(centro) com o Duo Zebedeu ( Julio Santos e Fábio do Carmo)

Em 2009, acompanhado apenas do par de violões do Zebedeu, Juliano Gauche e lançou o ótimo Hoje não!, inteiramente dedicado ao repertório do gênio de Cachoeiro do Itapemirim, uma grande obra tributo. 

No  CD e no  show  Juliano Gauche, é acompanhado pelo Duo Zebedeu, composto por Júlio Santos, no violão de seis cordas, e o maestro Fábio do Carmo, no violão de sete cordas, o que  garante a musicalidade do universo de Sampaio.

Juliano apresentou o repertório do CD no programa Talentos, da TV Câmara. No programa o além dos grandes sucessos de Sampaio, temos comentários de Juliano sobre o significado da obra, pois é um conhecedor  de primeira hora do genial Sérgio Sampaio.


A sordidez do conteúdo desses dias maquinais...


"Roda Morta" , fala sobre  a "reflexão" daqueles que sempre querem mais e mais...

"Roda Morta" ou "reflexões de um executivo" é uma daquelas composições únicas e geniais de Sérgio Sampaio. Dificilmente encontraremos uma composição poética-musical que retrate tão bem o que seria uma "reflexão" , ou uma "consciência pesada" de um capitalista pensando no "sentido" de sua vida "com os dentes cariados da alegria".
Poderia ser  um daqueles milionários que representam hoje os 1% que acumulam a riqueza produzida pelos 50% mais pobres de qualquer país capitalista, ou qualquer patrão "emergente" que começa a frequentar os "Salões coloniais" com "colônias de abutres colunáveis" .
Impossível não identificar na música a classe dominante, ou os "gaviões bem sociáveis vomitando entre cristais".

A reflexão sobre a circunstância que dá sentido à sua existencia:
"Eu vejo um mofo verde no meu fraque. E as moscas mortas no conhaque que eu herdei dos ancestrais"

E por fim a reflexão inevitável de quem não vê outro sentido para sua vida:

" O triste de tudo isso é que eu sei disso, eu vivo disso e além disso, Eu quero sempre  mais e mais ..."

Roda Morta (reflexões de um executivo) 

O triste nisso tudo é tudo isso
Quer dizer, tirando nada, só me resta o compromisso
Com os dentes cariados da alegria
Com o desgosto e a agonia da manada dos normais.

O triste em tudo isso é isso tudo
A sordidez do conteúdo desses dias maquinais
E as máquinas cavando um poço fundo entre os braçais,
eu mesmo e o mundo dos salões coloniais.

Colônias de abutres colunáveis
Gaviões bem sociáveis vomitando entre os cristais
E as cristas desses galos de brinquedo
Cuja covardia e medo dão ao sol um tom lilás.

Eu vejo um mofo verde no meu fraque
E as moscas mortas no conhaque que eu herdei dos ancestrais
E as hordas de demônios quando eu durmo
Infestando o horror noturno dos meu sonhos infernais.

Eu sei que quando acordo eu visto a cara falsa e infame
como a tara do mais vil dentre os mortais
E morro quando adentro o gabinete
Onde o sócio o e o alcaguete não me deixam nunca em paz

O triste em tudo isso é que eu sei disso
Eu vivo disso e além disso
Eu quero sempre mais e mais.
(2x)
mais e mais



"Roda Morta" está no disco póstumo Cruel, produzido por Zeca Baleiro que também gravou esta música.  

Abaixo a gravação de Sérgio e de Zeca Baleiro



domingo, 26 de agosto de 2012

Histórias de boêmios

O discipulo homenageia o mestre dos boêmios



Uma bela homenagem de Sérgio, um boêmio convicto, ao mestre dos boêmios, o mito  Nelson Gonçalves. Neste samba tributo gravado em 1975 em um compacto, Sérgio mostra todo seu talento e genialidade.

História de  boêmio ( um Abraço a Nelson Gonçalves) 

Há muito qu'eu trago
No sangue comigo
A febre de um samba
Que é meu amigo
Há muito qu'eu molho
Seus olhos enxutos
Há muito qu'eu canto
Eu só sei cantar

Já fui derrotado
Brigando num ringue
Cantor consagrado
De tango e suingue
Depois destronado
Depois, um bandido
Há muito qu'eu canto
Eu só sei cantar

Pelas madrugadas
Boêmio convicto
Bebendo traçado
Cantando sozinho
Um samba quadrado
Até o sol reclamar

Eu hoje não posso
Ficar em silêncio
Depois de reinar
Neste palco imenso
Há muito qu'eu canto
Eu não posso parar



Quem precisar de mim, me encontre, eu tô na moda


Qual músico da atualidade consegue compor uma canção tão fantástica como esta de Sérgio Sampaio?  

"Foi ela" foi lançada como  Compacto  em  1972

Foi Ela ( Sérgio Sampaio)

Depois de tudo acostumado, foi pior
Ela me viu, cuspiu de lado, na maior (na maior)
Meu travesseiro tá molhado é o meu suor
Quem precisar de mim me encontre, eu tô na moda
Não tem mais papo, choro nem vela

Foi ela quem invadiu o meu endereço
Fez um fogo no começo
Fez um drama no final

Foi ela -- Foi Ela!
Foi ela -- Foi Ela!
Foi ela -- Foi Ela!
Foi ela que jogou meu violão de estimação pela janela

Foi ela -- Foi Ela!
Foi ela -- Foi Ela!
Foi ela -- Foi Ela!
Foi ela que jogou meu violão de estimação pela janela

Ela é a fera, ela é a bela
Mudou não
Eu fui a farofa amarela, tô na mão (tô na mão)
De novo a velha culpa minha
Solidão, melancolia
O velho tédio, a mão vazia
Não tem remédio, nem me interessa

Senhora do orgulho das serpentes
Me iludiu, mostrou os dentes
Fez de mim um festival

Fora! -- Fora!
Fora! -- Fora!
Fora! -- Fora!
Eu vou uma dentro e amanhã eu dou o fora
Fora! -- Fora!
Fora! -- Fora!
Fora! -- Fora!
Fora! -- Fora!
Depois de dar uma dentro, o melhor é dar o fora

Foi ela -- Foi Ela!
Foi ela -- Foi Ela!
Foi ela -- Foi Ela!
Foi ela que jogou meu violão de estimação pela janela





Rockzinho antigo


Quem me contou essa foi meu amigo Alípio, do fã clube do Sérgio.  Ele conta que  "Meu pobre blues", foi um blues que Sérgio Sampaio fez para mostrar a Roberto Carlos que  não conseguia criar algo romântico para  o Roberto cantar,
então ele fez uma música onde  mostrava sua indignação por isso e pelo fato do Roberto não ser mais cantor do " rockzinho antigo".

Em 1981o Erasmo Carlos  até perguntou para Sérgio se era para ele a música, o que o Sérgio negou pois a música era mesmo para o Roberto Carlos.

Ouça aqui mais  uma das geniais obras do Sampaio, na voz  do próprio Sampaio, de Oswaldo Montenegro e Zizi Possi.

 Meu Pobre Blues (Sérgio Sampaio)

Meu amigo,
Um dia eu ouvi maravilhado
No radinho do meu vizinho
Seu "rockzinho" antigo
E foi como se alguma bomba
Houvesse explodido no ar
E todo o povo brasileiro
Nunca mais deixou de dançar
E desde aquele instante
Eu nunca mais parei de tentar
Mostrar meu blues pra você cantar

Foi inútil...
Eu juro que tentei compôr
Uma canção de amor
Mas tudo pareceu tão fútil
E agora que esses detalhes
Já estão pequenos demais
E até o nosso calhambeque
Não te reconhece mais
Eu trouxe um novo blues
Com um cheiro de uns dez anos atrás
E penso ouvir você cantar

Mesmo que as mesmas portas
Estejam fechadas
Eu pretendo entrar
Mesmo que minha mulher
Depois de me escutar
Ainda insista
Que você não vai gostar

Mesmo que o gerente
O assistente ou o inteligente
Anda não me queira acreditar
Vou fingir que tudo isso não é nada
E que ainda algum dia, em plena praça
Eu posso te encontrar

Blues tão rico
Só que já não esconde
Que o meu pobre coração
Está ficando um tanto quanto aflito
Pois deve estar pintando o tempo
Em que você começa a gravar
No seu próximo disco
Eu queria tanto ouvi-lo cantar
Eu não preciso de sucesso
Eu só queria ouvi-lo cantar
Meu pobre blues... e nada mais...

É tão simples...

Meu Pobre Blues com Sérgio Sampaio 

Esta é a gravação de "Meu pobre blues" feita por Oswaldo Montenegro, ficou muito bom.




Gravação de Zizi Possi no disco tributo "Balaio do Sampaio"


Raridades do Sampaio

Um video raro de trechos de um show do Sérgio Sampaio onde ele conta como criou a música "Que Loucura" a partir de uma conversa com seu amigo Torquato Neto.
Outra raridade, a gravação da  música "Eu sou eu, nicuri é o diabo" de 1971, com Sérgio Sampaio e Raúl Seixas, a segunda voz é a do Sérgio

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Apenas um rapaz latinoamericano sem dinheiro no bolso...



 Hoje nosso Blog dos malditos vai homenagear outro dos grandes, da mesma "safra" de Sérgio Sampaio: gênio marginal, Gênio maldito, estamos falando de Belchior, um dos mais talentosos, criativos e geniais compositores da MPB.




Belchior, nasceu no Ceará , foi cantador de feira e poeta repentista. Estudou música coral e piano com Acaci Halley. Seu pai tocava flauta e saxofone e sua mãe cantava em coro de igreja. Tinha tios poetas e boêmios. Ainda criança, recebeu influência dos cantores do rádio Angela Maria, Cauby Peixoto e Nora Ney. Foi programador de rádio em Sobral . 

Em 1962, mudou-se para Fortaleza, onde estudou Filosofia e Humanidades. Começou a estudar Medicina, mas abandonou o curso no quarto ano, em 1971, para dedicar-se à carreira artística. Ligou-se a um grupo de jovens compositores e músicos, como FAgner, Ednardo entre outros, conhecidos como o Pessoal do Ceará

Em 1972 Elis Regina gravou sua composição Mucuripe (com Fagner). Atuando em escolas, teatros, hospitais, penitenciárias, fábricas e televisão, gravou seu primeiro LP em 1974, na gravadora Chantecler. O segundo, Alucinação(1976), consolidou sua carreira, lançando canções de sucesso como Velha roupa colorida,Como nossos pais (depois regravadas por Elis ) e Apenas um rapaz latino-americano. Outros sucessor incluem Paralelas e Galos, noites e quintais (regravada porJair Rodrigues ). 

Em 1979 no LP Era uma Vez um Homem e Seu Tempo gravou Comentário a respeito de John (homenagem a John Lennon). Em 1983 fundou sua própria produtora e gravadora, Paraíso Discos, e em 1997 tornou-se sócio do selo Camerati. Depois de um longo tempo sem aparições públicas, Belchior participa de um shom de Tom Zé em 2009, mas mantém-se afastado da mídia. 

Recordamos Belchior com ass clássicas "A palo seco" gravada no seu LP de Estréia de 1974; " Apenas um rapaz latinoamericano"; "Pequeno perfil de um cidadão comum" ; "Alucinação" e "Fotografia 3 x 4". Clássicos inesquecíveis e eternos.

A palo seco
 
Apenas um rapaz latinoamericano

 

Pequeno perfil de um cidadão comum

terça-feira, 21 de agosto de 2012

Saudade do Maluco Beleza



Hoje lembramos os 23 anos do falecimento do Maluco Beleza, Raul dos Santos Seixas, o Rauzito. Neste blog dos "malditos", que homenageia o grande Sérgio Sampaio, não poderíamos deixar de recordar aquele que foi o "descobridor" do genial Sérgio. Se Sérgio é o maldito entre os malditos, Raul é o pai de todos os malditos do Brasil. Pai do Rock brazuca, gênio inesquecível, como todos os imprescindíveis, Raul jamais morrerá, suas canções compõe a riqueza que permanece nos corações e mentes de quem o conhece. Salve Raul.

Foi nos idos dos anos 70 na cidade do Rio de Janeiro onde morava que  Sérgio foi convidado para acompanhar no violão o cantor Odibar que faria uma gravação na CBS. No dia da gravação Odibar não despertou muito interesse do produtor musical da gravadora. No entanto, o executivo  da gravadora percebeu o talento do jovem violonista. Ao pedir para mostrar composições suas, Sérgio Sampaio foi retribuído com um "volte amanhã". O funcionário da CBS  era nada menos  que Raul Seixas, o Rauzito.

Abaixo uma entrevista onde  Sérgio Sampaio fala  sobre o falecimento de Raul






Documentário: O início o fim e o meio
 

Eu também vou reclamar

segunda-feira, 20 de agosto de 2012

Raridades do Sampaio


Sérgio Sampaio e Raul, parceria da genialidade



Essa é uma raridade da dupla Sérgio Sampaio e Raul Seixas, segundo informação de Ronan Caixeta, esse disco do Trio Ternura lançado pela gravadora CBS e produzido pelo Raul Seixas em 1970 ou 71, traz duas músicas do Sérgio Sampaio. Sol De Quarenta Graus e a música Vê Se Dá Um Jeito Nisso, esta última em parceria com Raul Seixas. Em ambas ele assina com o pseudônimo de Sérgio Augusto.

Podemos ver a fantástica atualidade das músicas com destaque para "Vê se dá um jeito nisso", uma crítica ao modo de vida medíocre da classe média urbana que cabe muito bem para nossa época de "crescimento econômico" proporcional ao decrescimento cultural que assola o país. 

Os geniais Sampaio e Raul a frente do seu tempo e do nosso ....

Vê se dá um jeito nisso  ( Sérgio Sampaio)

Você tem amor a sociedade
Nunca esquece um compromisso
Vive poluída na cidade
Vê se dá um jeito nisso

Quem conhece o mar de ipanema
Nunca esquece o seu feitiço
Essa sua vida é um dilema
Vê se dá um jeito nisso

Se moda muda
Não muda seu modo
Eu me perco mudando você
Passo e repasso
Compasso do passo
Passando e pensando o porque

Nunca teve mais de um problema
Vive no seu paraíso
Vida não se encontra no cinema
Vê se dá um jeito nisso

O seu quadriplex é colorido
Mas você não sabe disso
Seu vocabulário é reduzido
Vê se dá um jeito nisso





Sol de quarenta Graus e Vê Se dá um Jeito nisso

As pessoas são uns lindos problemas



"A tropicália, depois da apoética ascensão, ressentida da ausência de seus capitães, estendia seu véu sobre as cabeças dos que procuravam na canção uma nova forma de expressão e válvula de escape diante das rudezas do regime(...) Uma nova geração de artistas iniciava sua caminhada, vigiada por um "irmão" nada fraterno, vestido de verde; paisano quando convinha aos mandatários da república de chumbo. Em contrapartida, havia um gosto pelo desafio e pelo novo no ar. A geração hippie estereotipava os hábitos dos artistas alternativos, Sérgio Sampaio, ajustava seus acordes, cérebro, roupas e cabelos ao que a moda em vigor ditava"( Prudêncio, 2010, p.18)

Essa definição do contexto em que surgia Sérgio Sampaio, descrito no estudo de Washington Prudêncio, nos situa no ambiente em que Sampaio compôs suas geniais músicas deste primeiro LP de 1973. Uma das músicas significativas pelo conteúdo que apresenta é "Não tenha medo, não( Rua Moreira, 65) 

Quem mais poderia, em plena ditadura militar dizer em uma canção "Não tenha medo não"? Somente "aquele que disse" "Eu quero botar o meu bloco na rua", o "maldito" Sérgio Sampaio.

Sampaio dizia em suas músicas o que sentia, o que queria o que  muitos não conseguiam, não podiam ou até mesmo preferiam não dizer; A canção "Não tenha medo não", do seu primeiro LP, começa dizendo:  "Suje os pés na lama" e venha me encontrar ; "a barra está pesada, a barra pode aliviar ou não", adverte Sampaio,  isso não importa, ele diz para vir "aliviar o amigo", "Não tenha medo não!!!

Sampaio estende a mão, oferece a solidariedade rara em momentos difíceis, para ele "Pessoas são uns lindos problemas", difícil encontrar uma frase mais cheia de humanidade do que esta.

 Momentos difíceis em que ele ironiza dizendo" eu acho tudo isso uma grande piada", mas tem clareza da censura que o impele a dizer "ou então eu não posso achar", jogo de palavras de uma canção política e crítica, que protestava contra a proibição de dizer o que se pensava e o que se  queria.

"Demore o tempo que for necessário, eu moro longe eu posso nem chegar, "eu posso nem voltar"; uma frase que  se refere ao "estar longe, ao perigo das "viajens"  sem retorno explicitada na inequívoca expressão final da música,  "Eu pó..."

Conforme Prudêncio: " (...) desnecessário dizer que, em que pese sua crescente dificuldade de relacionamento com o mercado do disco, Sérgio não recuou de sua proposta. O resultado de sua lucidez, paradoxalmente, marginal, ousava diálogos com refinamentos que ousavam estar além do seu círculo. Em outras palavras, catapultava sua dialética de um lugar isolado, de cuja base se elaborava sua inserção como artista proprietário de um discurso recheado de argumentos de grande carga confessional e poética. Mesmo na irredutibilidade do "Eu", restrito a um ambiente segregado pela intelectualidade, ofereceu o que se costuma chamar, em literatura, dos universais, sentimentos humanos, nada menos valiosos que o desafio através da arte, usado por seus pares, para contrapor as mazelas do regime totalitário que imperava(...)" (Prudêncio, 2010, p.26).

Eis Sérgio Sampaio, humano demasiado, humano, contra as desumanidades da vida.

Não tenha medo, não! (Rua Moreira, 65)

Suje os pés na lama
E venha conversar comigo
Comigo
Chore, esqueça o drama
E venha aliviar
O amigo
Vem, não tenha medo
Não tenha medo
Não tenha medo, não
Vem, não tenha medo
Não tenha medo, não
Vem, não tenha medo
A barra está pesada
Vem, não tenha medo
A barra pode aliviar
As pessoas são uns lindos problemas
Eu posso até acreditar
Eu acho tudo isso uma grande piada
Ou então eu não posso achar
Não me espera pra beber seu veneno
E nem pra ver você chorar
Demoro o tempo que for necessário
Eu moro longe
Eu posso nem chegar
Demoro o tempo que for necessário
Eu moro longe
Eu posso não voltar
Demoro o tempo que for necessário
Eu moro longe
 Eu pó...

 




quinta-feira, 16 de agosto de 2012

A minha lucidez não me trouxe o futuro





O Brasil na década de 70 foi marcado pelo período mais duro da Ditadura Militar. Com a decretação do AI-5, o regime se fecha. É o governo Médice, o mais cruel e sanguinário de todos os 25 anos de Ditadura. Foi neste contexto que Sérgio Sampaio lança seu primeiro LP: "Eu quero é botar o meu bloco na rua", que traz o grande sucesso da música que leva o título do disco.

 Esse disco é muito emblemático, não só porque apresenta ao público pela primeira vez o talento e genialidade de um artista, mas também  por explicitar, o que poucos conseguiram ver( por incapacidade de compreender uma obra a frente de seu tempo)  a dimensão política das letras de Sérgio Sampaio. O que poucas pessoas destacam quando analisam sua obra. Utilizando o expediente da metáfora, o que caracterizava grande parte das composições que procuravam criticar o período,  buscou passar seus sentimentos em relação ao período procurando obviamente escapar da censura.

 Assim Sérgio demonstrou todo seus talento e genialidade poética-crítica em músicas fantásticas como ,"Eu sou aquele que disse", "Viajei de trem", "Não tenho medo não" e a clássica "Eu quero é botar o meu bloco na rua" que compõe um conjunto de composições que tem uma grande unidade  de crítica ao regime como metáforas extremamente criativas e geniais.

"Viajei de Trem" é a primeira faixa do lado B deste primeiro LP. A canção é muito significativa do período. O pesquisador Washington Prudêncio em sua dissertação de mestrado, defendida em 2010 na Faculdade de Letras da UFRGS, sobre a obra de Sérgio Sampaio, discorre sobre a letra desta música :

".. traça uma metáfora da aflição, da ansiedade, da paranóia em que vivia o mundo neste período critico da história. Revela o artista, de forma intimista, num acordo com a tênebra da narrativa, a inventar elementos que sirvam de pretexto para fugir do refúgio de seu apartamento, em busca da marginalidade, das ruas cujas testemunhas, cegas e imóveis, são estátuas e monumentos: ruas que marcham. Fuga da sociedade careta, da prisão, do condomínio, onde o espaço a ser dividido tem regras rígidas. Porém o céu também é de cimento, e ensaia uma prisão próxima do real...A narrativa sugere um estado alterado de consciência, tão comum na geração hippie e na poesia beatnik. A manchete um aeroplano pousou em Marte dá conta que há um mundo externo e outros mundos, de que se movem, e que as pessoas operam mudanças nele.Há o desafio do jogo de esconde, da charada, de conservar-se à sombra, à margem. O narrador não só observa esse estado de coisas à desafiá-lo, mas também se angustia pelo fato que a lucidez, um dos efeitos colaterais da droga, não lhe basta para trazer o futuro, não garante certeza sobre as coisas que virão. A viagem se fecha com um "sugestionador olho, ali posto"; "seus olhos grandes sobre mim" uma citação da música Tropicália de Caetano Veloso, que é recorrente na obra de Sampaio. O elo com a realidade, a garantia de que não se disperse, a parte comunicante com seus pares e o mundo real que insiste em existir" (PRUDENCIO, In Sérgio Sampaio: Antitropicalismo na canção de um tropicalista convicto, Dissertação de Mestrado em Letras UFRGS,2010 p.30)  

Viajei de Trem  

Fugi pela porta do apartamento 
Nas ruas, estátuas e monumentos 
O sol clareava num céu de cimento 
As ruas, marchando, invadiam meu tempo 

Viajei de trem 
Viajei de trem 
Viajei de trem 
 Viajei de trem, eu vi... 

O ar poluído polui ao lado 
A cama, a dispensa e o corredor 
Sentados e sérios em volta da mesa 
A grande família e o dia que passou 

Viajei de trem, eu viajei de trem 
Eu viajei de trem, mas eu queria 
Eu viajei de trem, eu não queria... 
Eu vi... 

Um aeroplano pousou em Marte 
Mas eu só queria é ficar à parte 
Sorrindo, distante, de fora, no escuro 
Minha lucidez nem me trouxe o futuro 

Viajei de trem 
Viajei de trem 
Viajei de trem Viajei de trem, eu vi... 

Queria estar perto do que não devo 
E ver meu retrato em alto relevo 
Exposto, sem rosto, em grandes galerias 
Cortado em pedaços, servido em fatias 
Viajei de trem 
Eu viajei de trem 
Mas eu queria 
É viajar de trem 
Eu vi... 
Seus olhos grandes sobre mim 
Seus olhos grandes sobre mim




Gravação de Viajei de Wander Wildner em seu último CD:

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

18 anos sem Sérgio Sampaio: Uma bonita homenagem

Neste 2012 completa-se 18 anos sem Sérgio Sampaio. Postamos abaixo um bonito texto do meu novo amigo e também super fã do Sérgio,  Alipio Soothsayer. 

 Há quem diga que ele dormiu de touca, mas no pior dos temporais, ele adubou o jardim.
Ou que estava procurando um amor que batesse na porta pra entrar... Ou ainda indagam se viajou de trem...
Desencarnava há 18 anos Sérgio Moraes Sampaio.
Natural de Cachoeiro de Itapemirim, Espírito Santo.
Viveu do auge ao esquecimento, mas assim como Raul, Sérgio sem sombra de duvidas,
Ele também é o inicio, o fim e o meio.
Sérgio foi aquilo que rotulam de "Maldito"!
Rótulo que o próprio nunca aceitou.
Sérgio possui uma rica obra musical.
Há quem diga, ouçam: Pobre meu pai, Eu sou aquele que disse... e me digam se não comove e provoca...
Sérgio não morreu, passou disso.
Está sempre vivo.
Em cada um de nós. Na voz. Nas letras. Nas historias. Nas melodias...
Enfim, Sérgio Sampaio dizia 'hoje não'!
Mas, hoje sim pra você Sampaio Teimoso.

Hoje Sim!

Texto e  Clip de Alipio Soothsayer.

Ninguém vive por mim

A vida e o homem Sérgio Sampaio pode ser identificado pelas letras de suas canções. O que escrevia não dizia respeito apenas ao que ele via, vivia, acreditava e sonhava, mas ao que ele era. De todas as músicas a mais autobiográfica talvez seja "Ninguém vive por mim".

Nesta canção escrita na primeira pessoa, Sérgio descreve, como que fazendo coro e mesmo admitindo os rótulos que lhe colocaram que é sim o "boêmio cantor da lua", o "doido que não se situa", ou mesmo o "simples cantor solitário". Fala também como era visto "fui tratado como um louco, enganado feito bobo", impossível não relacionar este trecho a uma acida crítica à industrial cultural, também quando diz que foi "devorado pelos lobos, derrotado sim, posto de lado, um marginal enfim", ou seja, descreve clara e objetivamente o que falavam dele.

Se auto-denomina "rato de bueiro, gato de calçada, mendigo de rua, cão de butiquim", que "disse adeus e foi embora". Mas o poeta está além disso, estes tempos ruins, de temporais, acabam "adubando o seu jardim", possibilita "viver além de mim", encontrar "malandros e otários", mas o que importa, vai viver o que é, pois "ninguém vive por mim".

Por fim diz que enfrentou um "osso duro", "enfrentou a quadrilha" e hoje está aqui. É Sérgio Sampaio por inteiro, jogando na cara dos hipócritas, da industria e do sistema moedor de seres humanos, que os temporais, por pior que sejam, estarão sim, adubando o seu jardim. Jardim que fez brotar canções que permanecem como obras primas do cantor solitário e genial que foi Sérgio Sampaio.

Ninguém vive por mim 

Fui tratado como um louco, enganado feito um bobo 
Devorado pelos lobos, derrotado sim 
Fui posto de lado e fui um marginal enfim 
O pior dos temporais aduba o jardim 
Como um rato de bueiro, como um gato de calçada 
Velho mendigo da rua, cão de butiquim 
Disse adeus e fui embora, nada é mais ruim 
O pior dos temporais aduba o jardim 
E eu, boêmio cantor da lua 
Doido que não se situa 
Fui procurar viver além de mim 
E eu, simples cantor solitário 
Entre malandros e otários 
Vivo o que sou, ninguém vive por mim 
Tudo tem seu preço exato, ninguém vai pagar barato 
Tudo tem seu peso certo, tudo tem seu fim 
Escapei da armadilha, agora estou aqui 
O pior dos temporais aduba o jardim 
Fui pro mato sem cachorro, numa de "ou mato ou morro" 
Enfrentei um osso duro, duro de roer 
Escapei dessa quadrilha, agora estou aqui 
O pior dos temporais aduba o jardim 


segunda-feira, 13 de agosto de 2012

Labirintos Negros

O homem perdido nos "Labirintos Negros" da cidade moderna


A música "LAbirintos Negros", quinta faixa do LP "...bloco na rua...". É uma daquelas músicas de grande conteúdo poético-cŕitico. É mais atual que nunca quando fala dos "labirintos negros" da selva de pedra da sociedade capitalista. Não é a toa que o MST utilizou esta música para um de seus vídeos da marcha à Brasilia de 2007.

Sampaio fala do destino dos homens quando anuncia: "Por trás dos edifícios da cidade moderna Os labirintos negros prendem os que esperam".

Poderiamos nos referir a "jaula de ferro" da racionalidade burocrática de Weber. "A condução, ou não, a confusão, ou não a confusão, eu não" O caos, a confusão, seria mesmo confusão? ou somente condução, mas condução não é na verdade uma confusão? eis a questão;

Neste trecho, a caminhada do dia dia do povo na cidade grande , com os "pés descalços" e as "Nuvens cinzas" da desesperança

Algo estranho esconde a sombra 
Sob os nossos pés descalços 
Sobre o asfalto cedo 
Na avenida larga 
Os labirintos negros 
Espalham nuvens cinzas 
De desesperança 
De desesperança 
De desesperança 
Explodiu a sombra 
E eclodiu a festa 
Estranha fossa 




A Marcha do MST sob a música "Labirintos Negros" de Sérgio Sampaio

Pobre meu Pai

A partir deste post inauguramos uma série sobre as composições de Sérgio Sampaio. Diversos comentadores da obra de Sampaio dizem que suas músicas estavam a frente de seu tempo e que este seria um dos motivos pelo qual não foram compreendidas pelo grande público em sua época.

Essa tese também sustenta que esse é um dos motivos da redescoberta de sua obra nos dias de hoje. Pode ser verdade, mas também é verdade que ainda hoje Sérgio está a frente de nosso tempo.

A criatividade e riqueza poética de suas composições demonstram um raro talento no universo cada vez mais pobre e medíocre da música brasileira, principalmente nas duas últimas duas décadas, onde não encontramos ninguém que mereça maiores considerações além da média. Como eu disse, Sérgio está sendo redescoberto recentemente e todos que fazem esta descoberta se deparam com algo novo, atual e futuro, ou seja, contemporâneo e ao mesmo tempo avançado no que diz respeito a sua poética. Poética política, sem ser panfletária, profundamente sentimental sem ser piegas.

Sua obra se confunde com sua vida libertária. Sérgio não se enquadrou no sistema, seja porque o sistema não o aceitou como era, seja porque ele não aceitou ser o que não era. Foi, sinceramente, como o título de seu último LP gravado em vida, alguém que viveu a vida a partir de sua liberdade, mesmo que pagando um alto preço por isso. Esse é Sérgio Sampaio, é deste singular talento que faremos uma homenagem à sua obra apresentando suas mais belas e instigantes canções com análise do conteúdo das mesmas.

É uma análise particular, ou seja, um ponto de vista visto de um ponto e portanto, não tem a pretensão de verdade, mas de quem descobriu algo que tem um grande significado e não pode ser esquecido. Começaremos pelo primeira LP de SÉrgio: "Eu quero botar o meu bloco na rua", lançado na esteira do grande sucesso da música que leva o título do disco, apresentada no Festival Internacional da Canção de 1972. Este festival entrou para história por ser o último antes do fechamento total do pais na época mais dura da ditadura. Foi também o festival que lançou os grandes gênios malditos da música brasileira como Raul Seixas, Belchior, Fagner, Sergio Sampaio entre outros.

Este primeiro LP de Sérgio estourou e vendou mais de 500 mil cópias, um record para a época. Com 12 faixas traz obras primas como "Pobre meu pai"; "Eu sou aquele que disse"; "Viajei de trem" , EU quero botar o meu bloco na rua". Pobre meu pai Neste primeiro LP Sérgio homenageia seu pai, cantando uma composição dele "Cala a boca zebedeu" na faixa 3 e em seguida "Pobre meu pai". Dificilmente alguém não se emociona com esta canção.

Pobre meu pai
 Quatro punhos espalhados no ar
Oito olhos vigiando o quintal
E o meu coração de vidro
Se quebrou
 Doido meu pai
Sete bocas mastigando o jantar
Sete loucos entre o bem e o mal
 E o meu coração de vidro
 Não parou de andar
Pobre meu pai
A marca no meu rosto
É do seu beijo fatal
O que eu levo no bolso
Você não sabe mais
 eu posso dormir tranqüilo
Amanhã, quem sabe?
Hoje, meu pai
Não é uma questão de ordem ou de moral
Eu sei que posso até brincar
O meu carnaval
Mas meu coração é outro
Simples, meu pai
Faça um samba enquanto o bicho não vem
Saia um pouco, ligue o rádio, meu bem
Não ligue, que a morte é certa
Não chore, que a morte é certa
Não brigue, que a morte é certa



 "Pobre meu Pai" representa a relação de  Sérgio com seu pai e pode ser lido por qualquer um como uma crônica das  relações entre pai e filho. Sérgio afirma sua individualidade, sua vida; as diferenças com seu pai não são de ordem ou de moral, é o seu coração que é outro...

Não é uma questão de ordem ou de moral
Eu sei que posso até brincar
O meu carnaval
Mas meu coração é outro

E ao final o inexorável, a morte, o fim, o que coloca para o artista a certeza do que é importante e o que é desimportante na vida.  "Não ligue, não chore, não brigue", pois nada é certo, apenas " a morte é certa"

Na entrevista abaixo Sérgio fala um pouco sobre suas composições, discorrendo sobre o seu processo de criação de suas composições, seja com seu pai ou com seus amigos.



terça-feira, 7 de agosto de 2012