domingo, 21 de abril de 2013

Febre do Rato:Um manifesto libertário, por Paulo Marques




Este sensacional filme  ganhou o prêmio de Melhor Filme do Festival de Havana, encerrado na sexta-feira (19/04/2013)



Nesse final de semana assisti o filme Febre do Rato, de Cláudio de Assis ( autor de Amarelo Manga e Baixio das bestas) . Realmente  Febre do Rato é um filme fantástico, um verdadeiro  manifesto libertário. O tema central é a vida de um poeta anarquista do Recife. Um  "marginal", exemplo daqueles que  permanecem à margem; que não se integram e encaixam nos modelos ditos "corretos", "únicos",  que não aceitam o maniqueismo do "bem" e "mal" , "certo" "errado" do sistema opressivo que vivemos.

Ousamos  dizer que os "marginais", poetas, "loucos", "subversivos", "radicais", são os que mais se aproximam do que poderíamos identificar como aqueles que vivem uma vida libertária, humanamente emancipada como diria Marx e  demasiadamente humana,  como diria Nieszche.

Febre do Rato é uma expressão popular típica da cidade do Recife que designa alguém quando está fora de controle, alguém que está danado. O filme conta a história do poeta anarquista Zizo, que publica um tablóide como o nome de Febre do Rato auto-organizado e financiado por ele próprio, para divulgar sua poesia.  A história se passa na periferia do Recife e é inspirada em um poeta real também de nome Zizo, entretanto, o filme não é uma cinebiografia, mas a representação, em forma de ficção, de muitos  artistas como ele,  sempre presentes nas margens da  sociedade, cindida entre os "incluídos" no sistema e os "excluídos". O filme é uma homenagem aos "Zizos" que vivem, criam e incomodam, pois suas  vidas e historias demonstram que a vida é bem mais do que aquilo que querem nos fazer crer que seja a "correta","do bem", desde que nascemos. É um grito de liberdade e um soco na cara dos conformistas.

Em uma das cenas quem Zizo conversa com seu amigo no bar, diz o poeta:
  
" ...As pessoas ficam falando em futuro, mudança, mas não estão nem aí pras 
 coisas que realmente contam... Perderam a capacidade de espernear para as coisas mudarem, desaprenderam.."
 
Ao assistir o filme foi impossível não pensar na canção de Sérgio Sampaio,"Cada lugar na sua coisa", onde o poeta canta "Um livro de poesia na gaveta não adianta nada, lugar de poesia é na calçada".   O poeta Zizo representa, literalmente a poesia na calçada, de que nos fala Sampaio.




Anarquista e por essência libertário,o personagem Zizo vive a liberdade do ser e do fazer, do  amor livre, da criação, dos sonhos vividos na sua própria realidade. O Poeta como um Epicuro do século XXI, vive cercado de seus amigos e admiradores; sua casa é como o jardim do filósofo da alegria, onde constrói sua arte e sua vida de liberdade, sua, e dos seus amigos.

O filme  Febre do Rato  fala de liberdade, mas no sentido mais profundo do termo, que não se confunde com a liberdade liberal-burguesa, limitada à lógica do interesse egoísta, que se resume à manutenção do "direito" a propriedade privada e a exploração do homem  pelo homem. A liberdade do poeta Zizo é a liberdade/libertária do indivíduo que só tem sentido no coletivo, na comunidade, no comúm". Poderíamos falar  que a casa e os amigos de Zizo conformam uma "comuna da liberdade/libertária", um micro cosmos de uma vida de poesia, alegria, solidariedade e liberdade.

Nesse ambiente não há espaço para o individualismo de tipo burguês, baseado na lógica do homem egoísta e isolado dos outros homens e da comunidade;  no homem lobo do homem, que caracteriza a nossa sociedade dos "incluídos". Na "comuna" do anarquista Zizo só há lugar para a amizade, para a festa e a poesia, que é também trabalho autogerido, o amor é livre; livre de preconceitos de idade ( no filme o poeta  se relaciona com uma mulher mais velha); livre de preconceitos de gênero ( é emblemático no filme  o amor entre o amigo de Zizo e um travesti); uma liberdade que ao contrário da lógica "Liberal" não se encerra com a liberdade do outro, mas começa com a liberdade de todos.

Por isso podemos dizer que o filme de Cláudio de Assis é um filme inequivocamente  político, no sentido do político como possibilidade de práxis emancipatória. Uma  emancipação humana como escopo do político, o que implica que o homem é o responsável pela sua emancipação, como possibilidade de um vir a ser libertário. Portanto, falar em emancipação implica falar em auto-emancipação, como um processo de auto-constituição e auto-determinação de subjetividade que é,  a um só tempo social e individual  e,  portanto, práxis libertária. 

Febre do Rato é, nesse sentido,  uma obra libertária, sobre vidas libertárias e auto-geridas,  que são antagônicas à sociedade do controle, da necessidade, da burocracia, da hierarquia, da opressão, da exploração,  da alienação.

O filme termina , como não poderia deixar de ser em um filme político,  mostrando o conflito,  concreto, entre lógicas, "visões de mundo" e prática de vida" que são antagônicas.  De um lado estão os "loucos" anarquistas, libertários,  que se reunem no dia da "independência" ( outra sacada genial do filme), para defender a sua independencia- Independencia em relação à sociedade da opressão e da exploração. Ocupam o desfile de 7 de setembro gritando:

"Somos anarquistas sim!!! Estamos aqui parque até a anarquia precisa de tradição...
...Queremos o direito de errar!!!!

O grito  do poeta afronta o "direito".

Absurdo, reivindicar uma "tradição" anarquista? Nada mais libertário do reivindicar o que não existe,  o que não é aceito. Nesse sentido, o poeta anarquista diz que é preciso uma tradição de liberdade, eis a mensagem.

 Do outro lado o "Estado Democrático de Direito", zelando pela "sociedade" e a "moral", o instituído, não permite o "erro". O "certo" existe para acabar com o "errado", a coerção do Estado se legitima por cumprir esse papel "institucionalizado"

 "Subversão", "Atentado violento ao pudor"; o aparato repressor do Estado age e  o poeta é preso e jogado no rio( eis a metáfor a da condenação sumária aos "incuráveis"). A liberdade tem limites na sociedade de classes, eis a mensagem.

Corte rápido para a "comuna de Zizo", a vida continua, os libertários não precisam de líderes, os libertários tem a sua vida, continuam na margem, Zizo está vivo em cada um de seus amigos, nos poetas que continuam subvertendo a lógica da vida "normal"; Zizo está vivo em cada ato de liberdade/libertária, de grito contra a hipocrisia. É ali, na margem,  que os libertários exigem o seu direito de errar..., seu direito à ser livre...



 O cineasta Pernambucano Claudio de Assis


Sobre o Diretor Claudio de Assis

Cláudio Assis nasceu em Caruaru, Pernambuco, onde  iniciou sua carreira como ator e cineclubista em sua cidade.
Desde seu primeiro longa-metragem "Amarelo Manga", em 2002, já demarcava seu estilo próprio de fazer cinema, sempre incluindo em seus filmes elementos da cultura pernambucana. Reunindo um grande elenco (Matheus Nachtergaele, Jonas Bloch, Leona Cavalli, Dira Paes, Chico Diaz), o filme é premiado nos Festivais de Berlim, Toulouse e Havana. No Festival de Brasília, venceu 7 prêmios, incluindo o de melhor filme pelo júri oficial. No Cine Ceará, vence todos os prêmios, e ganha notoriedade no cinema nacional.
Quatro anos depois, seu segundo longa-metragem, "Baixio das Bestas" (2006), faz um retrato sem concessões do machismo e da violência sexual na Zona da Mata pernambucana e se consagra como o primeiro filme brasileiro a vencer o Tiger Award no Festival de Roterdã.
"Febre do Rato", seu terceiro longa-metragem, é o primeiro rodado em preto-e-branco e venceu oito prêmios no Festival de Paulínia, incluindo o de melhor filme pelo júri oficial.

2 comentários:

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  2. Gente !! Eu já vi esse filme umas 50 vezes e ainda não me canso de ver. Um ótimo filme . Claro que tem algumas cenas de num que para alguns é ainda censura mas o filme é muito bom . As frases do filme é intelectual. Amo esse filem Parabéns para os seus criadores e elenco . "Esse é o cinema Brasileiro sem por e sem tirar" ;)

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