segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Show Tributo a Sérgio Sampaio em Porto Alegre

IMPERDÍVEL, para os admiradores do genial Sérgio Sampaio e aqueles que ainda não tiveram o privilégio de conhecer sua obra.

Em Porto Alegre,

O Grupo História de Boêmio  realiza no dia 29/09, sábado, no Amnésia Bar , mais um dos seus shows Tributo à Sérgio Sampaio

 O Grupo  História de Boêmio teve início em 2007 e tem como objetivo pesquisar e difundir a obra do compositor capixaba Sérgio Sampaio. 

Em sua página no facebook o grupo destaca seu objetivo: 
 
"Prestamos homenagem a esse compositor singular apresentando músicas de seus quatro discos e diversos compactos, executando os arranjos originais e releituras. O grupo é formado por Pablo Fernandes (pandeiro), Jefferson Azevedo (surdo), Rafael Fernandes (bateria), Felipe Prestes (baixo), Ricardito Bordã (violão) e Gabriel Maciel (vocal). contato: (51) 9224-3281 

O AMNÈSIA BAR POA, fica  na João Alfredo, 669, Cidade Baixa. O show começa as 23h.

Umas doses de Sampaio : 



quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Balada dos esqueletos americanos ( Ginsberg & MacCartney)




Apresentação antológica do poeta Beat  Allen Ginsberg recitando seu poema "Esqueletos Americanos" acompanhado da guitarra de Paul MAcCartney


Na estrada: Um pouco da história da geração Beat por Paulo Marques




 "E me arrastei, como tenho feito em toda a minha vida... indo atrás das pessoas que me interessam... porque os únicos que me interessam são os loucos... os que estão loucos pra viver, loucos pra falar... que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e não falam obviedades... mas queimam, queimam, queimam como fogos de artifícios no meio da noite."
( Trecho do livro On The Road de Jack Kerouac)


Lançado no mês passado e ainda em cartaz  o filme "Na Estrada" de Walter Salles é uma adaptação para o cinema do livro "On the Road" do escritor norte-americano Jack Kerouac, um dos mais representativos integrantes da chamada geração ou movimento "Beat".

Neste post não falaremos do filme, mas sim realizaremos uma breve análise da geração Beat, movimento de contracultura surgido nos EUA nos anos 50 e precursos do que viria a ser o movimento hippie nos anos 60 e 70.





Precursores dos hippies,  os "beats" surgem na Califórnia nos anos 50 no contexto do pós segunda guerra como uma clara manifestação de revolta contra a lógica racional-capitalista que se consolidava a partir do "modo de vida americano", produtivista e consumista como paradigma da modernidade ocidental. Não foi a toa que um movimento como o dos Beats, de reação tão forte contra o establishment tenha surgidoo nos EUA, pois é justamente este o país onde o capitalismo com sua racionalidade burocrática atingia o auge do desenvolvimento. Os EUA saia vitorioso da segunda guerra mundial e consolidado como principal potencia econômica do mundo.

A chamada "geração Beat" constituía o primeiro movimento literário verdadeiramente popular que acontecia nos EUA desde a geração dos anos 20. seus principais representantes, os escritores e poetas Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Gregory Corso, Gary Snyder e Laurence Ferlingheti influenciava na virada dos anos 50 para os 60 mais profundamente a sociedade americana do que  Ernest Hemingway e Fitzgerald em seu tempo(Peçanha, 1987, p.28)

Dóris Peçanha em seu livro "Geração Beat, rebeldia de uma geração", afirma que " a juventude atual que deles tanto herdou tem uma noção mínima ou desconhecem totalmente a geração Beat. ignoram que os hippies e grupos expressivos como os Beatles são os continuadores de um estilo de vida, princípios e objetivos delineados por aquela geração(Peçanha, 1987, p.29)

Outro autor, Bruce Cook, autor de um dos livros de referência sobre os Beats " The Beat Generation" afirmou que se, em 1958 alguém fosse a um Campus universitário nos EUA e perguntasse quem eram os Beats, ouviria sempre a menção a três nomes: Jack Kerouac, Gregory Corso e Allen Ginsberg. Corso foi um jovem poeta de Nova York que mal tinha frequentado a escola secundária, mas tinha um papel ativo entre os Beats com uma significativa obra. Ginsberg, o poeta da obra "Uivo, Kaddish e outros poemas" se destacou pelo seu estilo próprio de poeta Beat com sua poesia confessional que era a antítese dos versos calculados e precisos dos poetas tradicionais. Seus poemas eram recitados por ele ao ar livre, no Campus, sua influência foi grande entre os jovens que o consideravam um guru, professor.


 Os poetas e escritores da Beat Generation( da esquerda para a direita Jack Kerouac, Neal Cassidy, Allen Guinsberg(de preto), Gregory Corso e Ferlingheti

Entretanto, foi Kerouac que se tornou o maior símbolo de escritor e poeta beat. Segundo os estudiosos da geração Beat, se fosse possível identificar um marco para o movimento este seria  o livro "On the Road" de Jack, romance que teve grande efeito sobre a juventude porque era o "seu livro", ou seja, o livro que contava a história daqueles jovens, ou melhor os anseios, sonhos e desejos de uma vida de liberdade e menos ordinária do que aquela desejada e vivida por seus pais.

Conforme estudo de Peçanha, as origens do termo Beat são obscuras, mas é um termo que remonta ao Oeste Americano do século XIX ou ao Sul rural. Os músicos de jazz, em 1940, também usavam esse termo cujo significado é bem claro para a maioria dos americanos, Beat é igual a "golpeado", "batido" e implica em um sentimento de "ser usado". Kerouac dizia: "Para mim, significa ser pobre...e ainda ser iluminado, ter idéias iluminadas sobre o apocalipse e tudo isso".

Coube a Revista LIFE fazer um dossiê sobre o fenômeno Beat, o que aconteceu muiito tarde, no final de 1959, através de Paul O Neil que definia os Beats como "Os homens influentes mais estranhos que o século XX já produziu"(Peçanha, 1987, p. 28)

Peçanha destaca a relação dos beat com a música em especial o jazz que teve grande influência no estilo de suas obras literárias:

"fizeram no seu tempo uma tentativa um tanto infrutífera de unir seu trabalho com o jazz. Sentiam que o jazz era a sua única música, o som nervoso da vida batendo à sua volta e ainda mais porque não tinha o respeito que veio a obter posteriormente. Pelo contrário, sugeria uma atmosfera ilegal. A rapidez, o impulso do jazz eram as qualidades que todo novelista beat tentava captar e imprimir em sua obra. Todas as primeiras novelas beat têm obrigatoriamente uma cena com jazz ( Peçanha, op.cit p. 30)

Jack Kerouac era obcecado por jazz e sua escrita, que pode ser verificada nitidamente em On the Road é marcada por uma prosa espontânea, jazzistica. Foi ele que mais trabalhou para a união da poesia com o ritmo do jazz. Mesmo que nem sempre essa idéia funcionasse, dado que a música era mais complexa e menos livre, a idéia sugeria um retorno à velha concepção de poesia como canção e indicava muitas possibilidades que posteriormente seriam utilizadas pelo rock, o que aconteceu nos casos dos poetas do rock dos anos 60 como Bob Dylan, Paul Simon e John Lennon entre outros. Peçanha destaca ainda que independente do jazz, a quase totalidade da poesia beat era escrita para ser recitada.

Dylan teve forte influência dos poetas Beats. Uma de suas referências foi o poeta e amigo Allen Ginsberg( na foto Dylan e Ginsberg)


Apesar de serem criticados e ridicularizados, os Beats sobreviveram porque tocavam nos sentimentos reprimidos da juventude de sua época, tornando-se porta-vozes da necessidade do indivíduo de ser reconhecido e valorizado, de ser agente da história e de falar franca e honestamente sobre as coisas que realmente importavam.

Estas características dos Beats foram de especial relevância para a juventude dos anos 50, período do "Macartismo"( perseguição à esquerda no  meio cultural em função da guerra fria). Foi, como bem apontou Peçanha, um tempo em que a maioria dos adultos era acometida de medo, hostilidade reprimida e um simples desejo de continuar vivendo, não importando a qualidade dessa vida"(Peçanha, Op. cit, p. 34) Eram os tempos do que viria ser conhecido como os "anos de ouro" do capitalismo,   em que muitos experimentavam, pela primeira vez, uma segurança econômica, em que a classe média expandia-se sem esquecer a extrema pobreza dos anos da grande depressão. Este povo trabalhara duro e esperava muito para chegar onde estava e uma vez estabelecido, abraçavam os valores e símbolos do capitalismo com rigor fervoroso. Era nesse contexto que surgiam os Beats com sua recusa a essa "felicidade" .

" De repente surgiram aqueles jovens selvagens, com roupas excêntricas, barbudos, fazendo desordem, gritando obscenidades e rindo muito alto. O que mais irritou os membros do establishment literário não foi a maneira mal educada dos Beats,  mas o fato do auditório até então indiferente ou aborrecido tornar-se  extremamente interessado e participante" ( Peçanha, Op. cit. p. 30)

Outro elemento importante dos Beats foi a tentativa não só de escrever novelas e poemas sobre uma vida diferente, mas praticá-la. Quase todos os Beats demonstraram uma capacidade para sobreviver à margem da sociedade de consumo, principal alvo de sua crítica. Alguns foram trabalhar em estabelecimentos educativos e outros buscavam apenas publicar suas obras, essa atitude levava sua marca, faziam  isso não apenas para sua subsistência mas, principalmente, para transmitir o espírito de sua geração.

A publicação de On the Road assinalou uma mudança imediata dos meios de comunicação  de massas em relação aos Beats e em particular a Kerouac, que passou a ser intensamente requisitado para entrevistas em TV e jornais. Sobre essa fama repentina Peçanha nos conta:

"as revistas que o haviam rejeitado de repente pediram o retorno de suas histórias; a Grove Press, que tinha lido seu livro The Subterraneans e estava retardando a publicação, anunciou que o publicaria o mais cedo possível...Um produtor de TV procurou Kerouac para fazer um seriado baseado em On the road. Kerouac não deu importância à idéia e logo o recjaçou. Pouco depois, o mesmo produtor colocou no ar o seriado Route 66, uma clara imitação de On the Road, com um ator que se parecia muito com ele"( Peçanha, 1987, 69)

Kerouac sentia-se desorientado com o repentino sucesso depois de seis anos de trabalho para lançar um livro e também já não se ajustava à imagem de síimbolo Beat. Estava com 35 anos e os episódios do livro haviam ocorrido uma década antes. Ele não era mais o jovem que seus eleitores imaginavam, também sofria uma mistificação sobre o escritor-viajante que negava suas outras obras e poemas.



On the Road remonta a 1951, quando Jack Kerouac despedira-se de seu amigo Neal Cassidy  na Califórnia( este amigo morreria em 1969, no México, seu corpo foi encontrado na beira de uma ferrovia, sendo desconhecido o motivo da morte), e retornara para Nova York pouco depois da publicação de seu primeiro livro The Tow and the City".

Kerouac começou a trabalhar em On The Road experimentando uma  nova técnica que ele chamou de "Prosa espontânea", descrita no livro de Peçanha:

" Não selecione a expressão mas siga os livres desvios da mente( associação) em infinitos mares de idéias, navegando no mar da língua inglesa sem nenhuma outra disciplina além do ritmo da respiração retórica e da sentença falada...Improvise tão fundo quanto quiser- escreve profundamente, procure tão longe quanto quiser, satisfaça a você primeiro e então o leitor não poderá deixar de receber um choque telepático e o significado-excitação pelas mesmas leis operando em sua própria mente" ( Peçanha, Op. cit, p. 70)

Seguindo essa técnica Kerouac buscava escrever o mais rápido possível, sem preocupação de parar e escolher a palavra mais adequada, mas deixar-se seguir pelo ritmo e sonoridade da palavra, de forma a criar uma literatura tão viva quanto a própria vida que descrevia.

Kerouac e seu grande amigo Neal Cassady  que no livro On The Road aparecem como os nomes de Sal Paradise e Dean Moriarty.


Durante os seis anos que Kerouac esperou para ver On The Road nas livrarias, escreveu nada menos que dez outros livros, mas nem todos foram publicados. Escrevia onde quer que se encontrasse e sob quaisquer condições. Foi esse o periodo mais criativo de sua vida e quando teve um caso com Mardou Fox, descrito no livro Subterraneans e que se tornou um triângulo, envolvendo Gregory Corso e Lawrence Ferlinghet. A maior parte de seus escritos foram criados na casa de sua mãe em Long Island, onde permanecia quando não estava viajando. Kerouac tentara pagar o aluguel de sua mãe fazendo trabalhos dos mais diversos, mas sua mãe conseguia manter a casa trabalhando em uma fábrica de calçados.

Kerouac continuou viajando sem descanso. Escrevia sempre que parava um pouco, á máquina, a lápis, chegando mesmo a gravar suas idéias. O único emprego que manteve por certo tempo foi o de guarda freio na ferrovia Southern Pacific, que lhe possibilitava viajar pela costa do pacífico. Mas Kerouac trabalhou em  tudo, pois  em suas viajens muitas vezes precisava fazer biscates para sobreviver. Foi auxiliar de cozinha, jornalista esportivo, apanhador de algodão, carregador de mudanças e aprendiz em fábrica de papel laminado.

Jack Kerouac casou três vezes, o primeiro casamento em 1945 durou três meses, o segundo em 1950 foi de seis meses e o terceiro em 1962 com Stella Sampis que viveu com ele e sua mãe até sua morte em 1969. Kerouac passou seus  ultimos anos morando com sua mãe, já inválida, ele dizia que continuava a viver com ela porque quando da morte de seu pai, prometera-lhe cuidar dela. E sempre frisava que escrevera tanto graças a ela, que com seu trabalho garantia o sustento de ambos.

Kerouac morreu em 1969, em St. Petersburg na Flórida, aos 47 anos. Tinha chegado a pouco a esta cidade com sua esposa e sua mãe para que esta pudesse se beneficiar do clima local. Kerouac morreu de hemorragia no estômago causada pelo excesso de bebida. Duas semanas antes de falecer, acabara em rápidos momentos de inspiração um livro iniciado em 1951. Kerouac foi enterrado em Lowell, onde poucos amigos compareceram ao seu funeral, entre eles John Clelon, Allem Ginsberg e Gregory Corso. deixou uma filha, Ian Kerouac.( Peçanha,1987,p.76)

Jack Kerouac pronto para colocar o Pé na estrada


Segundo Cook " Kerouac morreu vitima dos seus anseios inquietantes e da profunda alienação que ele sentia da cultura que o criou e da contracultura que ele ajudou a criar"( Cook, 1971, p. 5). Para  Cook fora Kerouac quem batizara toda uma geração ao dizer: " Você sabe, isto é realmente uma geração beat".


 

Dylan e Allen Ginsberg visitam o túmulo de Jack Kerouac para homenageá-lo


  
Dylan e Ginsberg cantam juntos

Os Beats constituiram-se, portanto, como a expressão mais importante de uma parcela de jovens dissidentes e isso porque não apenas fugiram de uma sociedade, mas fugiram para constituir um mundo alternativo com seu próprio ethos e Kerouac com sua importante obra representou essa visão de mundo que questionava profundamente o status quo.

Nesta primeira década do século XXI  onde o modo de vida questionado pelos Beats e posteriormente pelos Hippies parece ter vencido, principalmente com o avanço do neoliberalismo a partir dos anos 80, é muito dificil encontrar "dissidentes" com a imaginação e a criatividade da geração Beat, mas talvez os indignados de hoje carreguem um pouco da rebeldia Beat, mesmo que não saibam disso, o que nos permite acreditar que uma nova geração Beat possa ressurgir, e talvez  vencer a mediocridade que a geração capitanead por Kerouac não conseguiu vencer.


 
"Uivo" filme ainda inédito no Brasil sobre a vida de Allen Ginsberg


Nova edição pocket  de "On The Road" da L&PM


PS: O livro On the Road de Jack Kerouac foi publicado no Brasil pela primeira vez em 1984 pela editora Brasiliense, com o título de "Pé na estrada" , com tradução do jornalista Eduardo Bueno.  Posteriormente teve diversas edições por essa editora. Também a Editora L&PM lançou nos anos 80 a coleção "Olho da Rua" com as obras dos escritores Beats como "Uivo" de Allen Ginsberg, as obras de Gregory Corso e Lawrence Ferlingheti. Atualmente estão sendo reeditadas pela L&PM em edições pocket uma grande quantidade de obras de Kerouac, inclusive On The Road.

Referências:

CASSADY, N. O primeiro Terço, L&PM, Coleção Olho da Rua, 1986.
GINSBERG, A.UIVO Kaddish e outros poemas, L&PM, 1984.
PEÇANHA, D.Movimento Beat, rebeldia de uma geração, Vozes, 1987.
PEREIRA, C. O que é contracultura, Brasiliense, 1985.
KEROUAC, J. On The Road: Pé na Estrada. Brasiliense, 1988.
_____________Os vagabundos iluminados, L&PM, 2007.
_____________Despertar de uma vida de Buda, L&PM, 2010.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

O misterioso coração de Sérgio Sampaio

Como temos feito aqui no blog, garimpamos na internet o que é publicado sobre Sérgio Sampaio para postarmos no blog. Encontramos um belo artigo de Léo Nogueira que publicamos.





Há exatos 17 anos morria o compositor "maldito" Sérgio Sampaio, de uma crise de pancreatite. A título de curiosidade, pesquisei no arquivo da Folha de São Paulo e encontrei uma ínfima nota, escrita por free-lance, numa lateral de página dedicada aos obituários onde se lia: "O cantor e compositor Sérgio Sampaio, 47, morreu às 5h de ontem, no Rio. Autor da música Bloco na Rua (sic), Sampaio morreu de pancreatite crônica. Ele estava internado no Hospital Quarto Centenário, no centro, desde abril. O enterro será hoje, às 10h, no Cemitério São João Batista". Só. Como se se tratasse de um anônimo. Bem, pelo menos, se o nome do sujeito lhe gerava dúvidas, sua associação à música "Bloco na Rua", ou melhor, Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua, certamente lhe deve ter lançado luz. Afinal, quem nunca ouviu "Eu quero é botar meu bloco na rua/ Brincar, botar pra gemer/ Eu quero é botar meu bloco na rua/ Gingar, pra dar e vender"? Pois então, Sérgio Sampaio é o autor da canção que contém esses versos, canção esta que participou do VII FIC (Festival Internacional da Canção), em 1972, vencido por Fio Maravilha, de Jorge Ben (muito antes de vir a ser Ben Jor). No entanto, o lançamento logo em seguida de um compacto com Eu Quero É Botar... ultrapassou a considerável soma de 300 mil vendas.

O Brasil tem tantos bons compositores, que acabamos nos acomodando com os que estão, digamos, mais à mão, sem nem sequer imaginar que um pouco de pesquisa fatalmente nos faria esbarrar em outros artistas de grandiosa obra, talvez maior até do que a de nossos queridinhos midiáticos. Foi o que aconteceu comigo em relação a Sérgio Sampaio. Apesar de não estar de todo alheio a ele e a sua obra, e apesar de ter em minha casa uma discoteca/cedeteca considerável, não possuía nada dele. O acaso veio preencher-me essa lacuna.

De maneira politicamente incorreta, deparei-me com a obra-prima Cruel, CD póstumo e trabalho incompleto, que, graças à costumeira generosidade de Zeca Baleiro, que o concluiu e lançou (por seu selo Saravá Discos), veio finalmente à luz doze anos após ter sido fecundado. E o impacto em mim foi tão fulminante que não tive outra saída que não ir a esses blogs amigos baixar sua discografia anterior, visto que seus discos permanecem fora de catálogo. A conclusão a que cheguei foi a de que o Brasil perdeu um compositor em plena evolução, pois uma mais apurada análise mostrou-me que estava havendo uma melhora gradativa disco a disco. A se manter essa linha de evolução e a doença não lhe subtraísse os anos, viriam discos primorosos na sequência de Cruel.

Claro que são conjecturas. Pode ser que seu inconsciente, trabalhando tendo em vista a fatalidade que se aproximava, tenha-o motivado a criar tão viscerais e pungentes canções. Não foi sem um quê de melancolia que assisti a sua situação retratada em alguns vídeos caseiros disponíveis no youtube com imagens suas, magérrimo, cantando e tocando alucinadamente, de bermudas e chinelas, no que pareciam ser residências simples. E, quando seus olhos miravam a câmera, havia neles fúria, fome, raiva, medo, deboche... Uma verdadeira fera acuada usando suas armas (a música) pra se defender... e atacar... Sorrindo.

O sucesso que Sérgio Sampaio conquistou no começo de sua carreira (e que nunca viria a se repetir) é o que a maioria dos artistas passa a vida perseguindo. Só que, no seu caso, foi sua própria destruição. Despreparado (e desprevenido) por esse sucesso que lhe caiu na cabeça como uma rocha que despencasse da montanha, Sampaio, naturalmente, foi até os limites do que tal condição lhe permitia, às vezes até os ultrapassando. Sérgio Natureza, um de seus poucos parceiros, disse à Folha, quando do lançamento de Cruel, que a carreira do amigo foi atrapalhada por seu temperamento. "Ele era muito inteligente e defendia seus porquês com toda a força. Era transparente, claro, franco, o que talvez não fosse politicamente correto". Seu primeiro LP, mesmo contendo Eu Quero É Botar..., obteve vendas bem aquém do que se esperava, e assim, sucessivamente, ao passo que lapidava cada vez mais suas canções (e sua poesia), mais se afastava do sucesso com o qual quase sem querer se deparara.

Contudo, ou talvez por isso mesmo, essa derrocada artística proporcionou-lhe uma experiência de vida que lhe possibilitou construir, à margem da indústria, uma das obras mais relevantes (e subestimadas) da música popular brasileira. Não à toa Sampaio, descoberto por Raul Seixas, apesar de ter construído uma obra na qual predominavam ritmos brasileiros, é, não raras vezes, associado aos roqueiros, chegando mesmo a ser admirado por muitos destes. O fato é que, assim como sua vida não conhecia fronteiras, sua canção ia pela mesma estrada. Eclético e livre, sem as amarras que uma gravadora lhe imporia, usava e abusava de sonoridades e ritmos os mais variados, de acordo com o que quisesse dizer. Assim, rock, jazz, choro, samba e o que mais coubesse em seu volão não passavam de ferramentas pra que dissesse o que tinha pra dizer. E ele tinha muito.

Tiro o chapéu pra Zeca Baleiro, que conseguiu finalizar Cruel com o amor necessário pra não deturpar um trabalho tão ímpar como o de Sampaio. Como, infelizmente, não encontrei esse CD em nenhuma loja (tomaria nas prateleiras o espaço de futilidades mais consumíveis), tive que o baixar, assim como aos anteriores Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua (1973), Tem Que Acontecer (1976) e Sinceramente (1982). O que quero dizer é que passei a ouvir na sequência as canções dos quatro discos, e a impressão que me deu foi a mesma de ler um bom livro em vários capítulos. Ou seja, o enredo avança, mas a linearidade no estilo permanece. Ouso dizer que, se Sampaio tivesse vivido tempo suficiente pra finalizar ele mesmo seu último disco, não teria chegado a um resultado muito distinto do que o alcançado por Zeca. E, ainda assim, ouvem-se ecos do Baleiro ali, o que dobra o interesse sobre o trabalho.

Entre as tantas frustrações acumuladas por Sampaio, talvez a maior delas tenha sido não ter nunca conseguido que seu ídolo maior e seu conterrâneo Roberto Carlos (ambos nasceram em Cachoeiro de Itapemirim-ES) gravasse algo seu. Passou perto, pois foi gravado por Erasmo. Mas, se não logrou o intento, em algo se parecia com o "Rei". E, por que não dizer?, com o próprio Chico Buarque: Roberto excomungou seu talvez maior sucesso, Quero Que Vá Tudo Pro Inferno; Chico deixou A Banda a ver Titanics; e Sampaio nunca resolveu a equação de ter que conviver o resto da vida à sombra de seu "Bloco na Rua". Como na canção que fez pra seu pai, Pobre Meu Pai, bem desabafava: "Hoje, meu pai/ Não é uma questão de ordem ou de moral/ Eu sei que eu posso até brincar/ O meu carnaval/ Mas meu coração é outro".

Batesse hoje seu coração, Sampaio certamente lhe diria: "Suje os pés na lama/ e venha conversar comigo"; afinal, "um livro de poesia na gaveta não adianta nada,/ lugar de poesia na calçada"; saiba que, "tropeçando bêbado pelas calçadas/ me recordando de não ter bebido nada/ e olhando essas luzes que se apagam lentamente,/ eu sou a luz e a semente". É que "quanto mais eu sofro/ mais coração me aparece"; e "tanto faz eu ser poeta ou pirado/ tanto faz ser inocente ou culpado/ tudo isso é tão normal/ a porta sempre vê o outro lado". Mas eu "tive cuidado de ter os pés quase sempre no chão/ e a cabeça voando/ como se voa na imaginação,/ longe do resto do bando,/ mas sempre perto do meu coração"; porque "mais do que cantar pra o mundo inteiro,/ eu quero cantar primeiro/ só para o seu coração"; no entanto, "pra você que mal enxerga,/ uma nave extraterrena/ vai ser sempre um avião"*. Por isso que acho que "não há nada mais sozinho/ do que ser inteligente/ e poder cantarolar,/ errar, desafinar,/ assim sinceramente". Só eu "sei como dói meu amor de poeta,/ se vê linha reta/ quer logo entortar,/ meu coração é de quem não tem cura/ procura e torna a procurar/ e você nunca esta lá". Mas, fazer o quê?, "quem é do amor é mais quente/ viaja contra a corrente/ tem sangue de aguardente/ nas doces veias do amor"; por isso "pus meu carro no declive sem sequer o freio de mão/ e amei como se o amor fosse o esteio da vida". E é por isso que "solto meus bichos/ pelas músicas quando me aflijo,/ mas um homem sem esse feitiço/ e sem um carinho a que recorrer/ pode matar/ querer morrer,/ pois perdeu todo o sentido de viver"



*Fragmento extraído da canção Cabra Cega, melodia de Sampaio e letra de Sérgio Natureza.



Do Tropicalismo à perda de hegemonia cultural da Esquerda no Brasil por Paulo Marques





Dois eventos realizados recentemente me instigaram a escrever este post. O primeiro foi o lançamento nacional do documentário sobre a história da Tropicália, um dos mais significativos movimentos culturais do país e o segundo foi o debate realizado na USP no final de agosto,  que reuniu intelectuais de esquerda para discutir a "ascensão conservadora em São Paulo" cujo reflexo paradigmático é o  fenômeno da candidatura de Celso Russomano à prefeitura da capital paulista.

O que uma coisa tem a ver com a outra?

Neste debate da USP foi levantada uma questão que pretendo discutir aqui que é a quebra de hegemonia da esquerda na cultura brasileira. Este tema  foi apresentado pelo cientista político André Singer que sustentou a tese de que mesmo com o golpe militar de 1964, ao contrário de haver um refluxo das idéias de esquerda, houve uma expansão que foi até a década dos 90; a partir daí tem início uma onda neoliberal no campo econômico, político que atinge também a cultura.

Singer destaca que foi essa hegemonia da esquerda durante 30 anos que obstaculizou, no plano da cultura,  a entrada do neoliberalismo no Brasil. Nesse sentido, pode-se verificar que o neoliberalismo no Brasil, ao contrário do resto do mundo, acabou sendo um fenômeno retardatário.

A relação deste debate com a Tropicália está no fato de que este movimento político e cultural é  emblemático do período de hegemonia do pensamento de esquerda no plano cultural. Representou não apenas um movimento musical, mas  a  síntese das mais diversas expressões culturais ( cinema, o teatro, a literatura, a poesia, as artes plásticas) que refletiam um ambiente de profundas transformações políticas pelo que passava o Brasil e o mundo. Não é sem sentido que na capa do disco Tropicália está gravada a data de "maio de 1968".

Conforme Marcelo Ridenti em seu livro Em busca do povo brasileiro- Artistas da revolução, do CPC à era da tv : 
 
"...o tropicalismo não foi uma ruptura radical com a cultura política forjada naqueles anos, apenas um de seus frutos diferenciados, modernizador e crítico do romantismo racionalista e realista nacional-popular, porém dentro da cultura política romântica da época, centrada na ruptura com o subdesenvolvimento nacional e na constituição de uma identidade do povo brasileiro, com o qual artistas e intelectuais deveriam estar intimamente ligados" (Ridenti, 2007, p.269).
Portanto, fica muito claro o sentido político do movimento tropicalista, ou seja, era inegável a hegemonia da esquerda no plano cultural como um processo que acompanhou os avanço do debate sobre o próprio país como nação e sua identidade:
" Nos anos 60 e 70, nos meios artísticos e intelectualizados de esquerda, era central o problema da identidade nacional e política do povo brasileiro; buscava-se a um tempo suas raízes e a ruptura com o subdesenvolvimento, um desvio à esquerda do que convencionou-se chamar de era Vargas, caracterizada pela aposta no desenvolvimento nacional, com base na intervenção do Estado..( Ridenti, p.11).
Cabe destacar também o cenário internacional que compunha as circunstâncias históricas fundamentais para a emergência e consolidação do pensamento de esquerda no plano cultural. Foram vitoriosas ou estavam em curso inúmeras revoluções de libertação nacional, algumas marcadas pelo ideário socialista e pelo papel destacado dos trabalhadores do campo, como a revolução cubana de 1959, a independência das Argélia em 1962 e outras, além da guerra
antiimperialista em curso no Vietnã, lutas anticoloniais na África etc..
"O êxito militar destas revoluções é essencial para entender as lutas políticas e o imaginário contestador nos anos 60: havia exemplos vivos de povos subdesenvolvidos que se rebelavam contra as potências mundiais construindo pela ação as circunstâncias históricas das quais deveria brotar o homem novo. Especialmente a vitória da revolução cubana, no quintal dos Estados Unidos, era uma esperança para os revolucionários na América Latina, inclusive no Brasil(Ridenti, 2000, p.32-33)


 Uma passagem interessante sobre o tropicalismo Ridenti conta, a partir do livro Verdade Tropical de Caetano Veloso a relação de identidade dos tropicalistas com a esquerda revolucionária, principalmente a figura de Marighela:
" Em seu livro, Caetano observa a coincidência de terem publicado numa mesma capa de revista as primeiras fotos dele e de Gil no exílio e a de Marighela morto. O episódio foi comentado de maneira velada, para burlar a censura, num artigo de Caetano para o Pasquim, que terminava com a frase: " Nós estamos mortos, ele está mais vivo do que nós"(Veloso, 1997, p.427). Não é coicidnência a simpatia por Marighela. Caetano comulgava com ele a repulsa à ditadura militar(1997, p.178), chegando a considerar os tropicalistas os mais profundos inimigos do regime(1997, p.386). Além disso, Marighela era baiano e ousado, como Gil, Caetano, Glauber e muitos outros artistas que foram tropicalistas ou contavam com a simpatia do movimento. Como os tropicalistas, em outro campo de atuação, Marighela desafiava tanto a ditadura militar como o Partido Comunista e sua burocracia. Ele era líder da principal dissidência comunista, que implodira a noção de partido e acentuava a autonomia dos grupos armados para fazer a revolução, esboçando uma teoria guerrilheira que lembrava o anarquismo.... Essa aproximação da violência anarquista era compartilhada, no plano cultural, pelos tropicalistas( Ridenti, 2000, p. 279) 


 

Na canção 'Alfômega" de Gil, faz uma homenagem à Marighela, morto naquele ano. Gravada por Caetano em seu LP de 1969, Gil pronuncia o nome proibido de Marighela, de modo camuflado para não ser percebido pela censura, mas bem claro para os ouvidos atentos.


 
Outra canção símbolo do movimento é "Soy loco por ti América", canção composta por Gil e Capinam homenagem à Che Guevara, assassinado em 1967 na Bolívia. " El nombre del hombre muerto/ya no se puede decir-lo/ el nombre del hombre es pueblo" foi a forma de referir-se a Guevara sem citar seu nome.

Soy loco por ti, América/ yo voi traer una mujer plajera/que su nombre sea Martí/.../ como se chama amante desse país sem nome/ esse tango, esse rancho/dizei-me/arde o fogo de conhcecê-la/.../El nombre del hombre muerto/ ya no se puede decir-lo/quien sabe/antes que o dia arrebente/ antes que o dia arrebente/el nombre del hombre muerto/ antes que a definitiva noite/se espalhe en latinoamérica/ el nombre del hombre es pueblo/... espero a manhã que cante/el nombre del hombre muerto/não sejam palavras tristes/soy loco por ti de amores/.../estou aqui de passagem/sei que adiante um dia vou morrer/de susto, de bala ou vicio/ de susto de bala ou vício/num precipício de luzes/entre saudades, soluços/eu vou morrer de bruços/nos braços, nos olhos/ nos braços de uma mulher/nos braços de uma mulher/mas apaixonado ainda/dentro dos braços da camponesa/guerrilheira, manequim/ ai de mim/ nos braços de quem me queira...

Homem, povo, guerrilheiro, morte do herói, no ritmo anárquico de uma rumba, no estilo cubano: o tropicalismo construia à sua maneira o romantismo revolucionário do período.


A identidade política dos tropicalistas com a esquerda era inegável, mas é importante destacar que estamos falando de uma "nova esquerda", uma esquerda anti- stalinista, que acabava entrando em confronto com os ortodoxos do partidão.

Um momento muito emblemático destas diferenças se deu na apresentação de Caetano Veloso no Festival da Canção de 1968 de sua música "È proibido proibir". Uma música que traz no seu título uma das palavras de ordem libertárias que virou símbolo dos estudantes rebeldes de 68. Entretanto, por mais paradoxal que fosse, a juventude de esquerda ortodoxa recebeu a música com muitas vaias o que fez com que Caetano em um momento de grande indignação proferisse um discurso que refletia questionamentos fundamentais sobre o que era aquela juventude. 



"Essa é a juventude que quer tomar o poder??? Vocês não estão entendendo nada..." 




Essa relação entre cultura e politica é fundamental para compreendermos tanto aquele período de hegemonia da esquerda como o atual, marcado pela  quebra desta hegemonia. Como bem destaca Ridenti, na medida em que inexiste uma correspondência mecânica entre os campos das artes e da política, embora estejam indissoluvelmente ligados; nos anos 60 ficava mais uma vez evidente- como em geral ocorre com mais transparência nos momentos de impasses na sociedade- que "a produção cultural é ao mesmo tempo política, e vice-versa, ainda que nem sempre seja possível estabelecer a articulação entre arte sócio-política"( Ridenti, 2000, p.280)



  

Glauber Rocha e o Cinema Novo, compõe as referências revolucionárias do tropicalismo, que enfrentou a furia tanto da direita como da esquerda ortodoxa.


 Resgatar estes elementos de contextualização histórica nos permite compreender como se consolidará essa hegemonia da esquerda no plano cultural nos anos 60,70 e 80 e como e porque houve a mudança que presenciamos hoje marcada pela quebra desta hegemonia do pensamento de esquerda no campo cultural do brasileiro.

Vale reafirmar aqui o que diz Ridenti sobre não  fazer um reducionismo sociológico ao analisar as criações culturas, que é uma armadilha a ser evitada: não cabe imaginar as artes como mero reflexo de fatores sócio-econômicos. Não obstante, seria um equívoco analisar a arte pela arte, como se ela pairasse no espaço, independente de sua inserção histórica( Ridenti, 2000, p. 280)

Os anos de quebra da hegemonia da esquerda no plano cultural

 Vladimir Safatle em sua intervenção no mesmo debate da USP, corroborando com a afirmação de Singer sobre essa quebra de hegemonia cultural da esquerda, vai afirmar que estamos vivendo a ascenção de um tipo novo de conservadorismo, que ele vai definir como "filho bastardo do Lulismo. Segundo Safatle esse não é um epifenômeno, ele veio para ficar , pois tem todas as caracteristicas de um fenômeno duradouro, e por isso deve ser objeto das mais profundas preocupações da esquerda .
Esse "filho bastardo do lulismo" na visão de Safatle, foi resultado da combinação de três fatores : uma política de alianças bastante heteróclitas do governo Lula, reunindo setores conservadores; a criação de um sistema de assistencia social até então inexistente no Brasil e aumento do salário mínimo, o que levou ao terceiro fator: uma integração social a partir do consumo. Estes são os fatores que vão sustentar a adesão de largas parcelas da população, parcelas que até então nunca tinham de fato apoiado o PT ou o candidato Lula construindo uma base social de apoio que perdura até hoje. "Estamos assistindo a ascenção de um conservadorismo que surge com essa base social do lulismo que quando associado ao chamado "conservadorismo orgânico", do qual a classe média paulistana representa o paradigma fundamental, é extremamente preocupante", afirmou Safatle.

O que vemos hoje no Brasil, portanto, é um processo paulatino de constituição de um pensamento conservador, que não é só sob o ponto de vista econômico, político, mas um conservadorismo moral, no campo dos valores e princípios, no plano cultural. Segundo Safatle estariamos no mesmo caminho do debate político que predomina nos EUA, onde a cultura é uma área central do embate político. Ou seja, sai a centralidade do embate politico econômico e o centro é o debate cultural.

Safatle chama atenção para o fato de que desde as eleições de 2010 debate se centrou em torno de questões morais como por exemplo questões vinculadas a política sobre aborto, casamento homosexual e cotas. Uma mistura de conservadorismo dos costumes, um anti-intelectualismo ferrenho, que aparece nos debates sobre a ditadura militar também e uma relação preocupante entre igreja e Estado que é cada vez mais problemática com o aparecimento de um novo ator nesse processo que são as igrejas evangélicas. Essas  igrejas evangélicas e petencostais, segundo Safatle , trouxeram um modo de intervenção política que foi desenvolvida nos EUA no inicio do século XX baseada na ideologia da prosperidade, como um elemento cada vez mais forte, o que explica em larga medida essa profunda adesão dos setores mais vulneráveis da sociedade aos evangélicos. Esses elementos vão constituir um caldo dentro do debate dos costumes que vai paulatinamente forçando essa quebra da hegeminia cultural da esquerda.

Para Singer esse é um processo de estruturação de um pensamento de direita que tem repercussão tanto na massa da chamada nova classe média como na classe média tradicional. É fundamentalmente o predomínio de um pensamento de tipo neoliberal, individualizante, mercantilizante, privatizante que tem repercussão nestes amplos setores sociais, destaca Singer.

Tanto Singer como Safatle concordam que esse processo é responsável por essa quebra da hegemonia de esquerda no âmbito da cultura, mas destacam que ainda está em curso esse movimento de quebra. Os sinais mais claros dessa nova hegemonia de direita na cultura pode ser vista no aparecimento de autores, colunistas, pessoas que tem um público e que falam e defendem estes pontos de vista com repercussão, o que não havia até pelo menos os anos 90, e isto ainda está crescendo, finaliza Singer.

Esta perda de hegemonia da esquerda é parte, segundo Singer da longa onda neoliberal que tem um óbvio aspecto conservador que está a serviço daquilo que o capitalismo tem de mais destrutivo, ou seja, a mercantilização de todas as áreas da vida, o individualismo feroz, a concepção de que os problemas sociais se resolvem pela iniciativa privada, e qualquer forma de intervenção social, sobretudo via Estado fica sendo demonizada, como algo na visão neoliberal, como algo conservador.

O mais grave é que este novo conservadorismo é aliado de primeira hora do governo petista; faz parte da base de sustentação do governo, um governo de um partido de esquerda que contraditoriamente chega ao poder e perde a hegemonia cultural, o que poderia ser um elemento de sua maior força. Não tendo o poder econômico e perdendo a hegemonia cultural, a esquerda vive um momento muito preocupante. A pergunta é, quem vai frear esse crescimento? e como?

A vida cultural no deserto neoliberal 
 
No âmbito da cultura é visível o impacto neoliberal a partir dos anos 90. Se tentarmos listar brevemente a "cena cultural" que predomina no Brasil, tentando identificar alguma "novidade" nos últimos 20 anos, podemos chegar a conclusão que o neoliberalismo foi cruel com a "criatividade" desta geração.São raríssimas as expressões culturais que conseguiram fugir da "padrão de consumo pasteurizado" instituído pela mídia.

Em todas as áreas da cultura, seja no cinema, na literatura, nas artes plásticas ou na música, temos um "deserto de criatividade" e um "mar" de mediocridade  que poderíamos dizer que vivemos as "décadas perdidas da cultura". A mercantilização e pasteurização da cultura tornou-se predominante em todas as áreas, o bom mocismo, ou "bundamolismo" dos "jovens talentos" se somam  a uma alienação da realidade em que vivem formando uma  mesmice mediocre, ou "mais do mesmo" como dizia Renato Russo, que caracteriza não só  a música brasileira como outras áreas da cultura. O avanço das novas tecnologias parece proporcional à mediocridade que assola o mundo da cultura no país.

Não foi por nada que a chamada música "sertaneja" foi a trilha sonora dos "anos Collor" na década dos anos 90. Logo em seguida tivemos a  "Axé Músic" e o "pagode"  como estilos da nova música de massas. Para fechar a primeira década do século XXI temos o surgimento de escrecências mercadológicas como o tal  "sertanejo universitário" e o "funk" carioca. Já o rock nacional deu seu último suspiro na década de 80, nada melhor do que foi produzido naqueles anos apareceu até agora. É emblemático que "Michel Teló" e "Restart" compõe a "novidade" que faz a cabeça da juventude brasileira deste início de século XXI.

Na literatura nosso maior sucesso é a pseudo literatura de Paulo Coelho, no cinema nada que chegue minimamente perto do que um dia foi referência mundial de criação moderna como o Cinema Novo, que está a frente até mesmo do nosso tempo atual.

Não queremos aqui simplesmente fazer exercícios de nostalgia ou discursos de que "o passado é sempre melhor", o que queremos analisar é exatamente os processos que levaram a este estado de coisas, a essa mediocridade e pobreza criativa desta nova geração. Procurar entender isso é compreender que existe uma totalidade dos fenômenos sociais que não separam a cultura da economia e da política. O neoliberalismo não se consolidou apenas como projeto econômico político, mas como idéia de mundo possível e desejado. Quando Margaret Tatcher proferiu a frase  "não existe mais sociedade, só existe indivíduos", estava expressando a visão de mundo que viria a dominar o mundo.

É sintomático também a ausência de intelectuais de esquerda nos governos do PT. Segundo Safatle, o governo Dilma é o primeiro governo federal que não tem a contribuição de intelectuais, o que elimina qualquer possibilidade de produção de pensamento crítico. Por outro lado os "intelectuais orgânicos" do capital como o Sr. Gerdau ou Delfim Neto, são conselheiros do governo.

É a isso que nos referimos ao falar de reflexo ou impacto, especialmente no que tange a hegemonia de um pensamento no plano cultural. Estamos falando de uma determinada ideologia que domina, de uma racionalidade que se impõe como a única, como horizonte de perspectivas. E esse horizonte pode ser muito bem caracterizado pelo conceito de "racionalidade cínica" que predomina no capitalismo contemporâneo, conforma nos mostra o filósofo Wladimir Safatle, ou seja, os valores normativos como liberdade, democracia, tolerância, são invertidos em sua aplicabilidade e perdem o seu sentido, está aí o cinismo daqueles que matam em "nome da paz", ou são intolerantes com os diferentes em nome da "tolerância".Racismo, desigualdade, exclusão são as práticas que se realizam em nome de nobres valores normativos.

Essa lógica compõe a cultura dominante atual que busca esvaziar o campo político e cultural de qualquer perspectiva que não seja a "satisfação individual", fazendo com que todos estejam resignados com um modo de vida social que ha muito deveria ter sido ultrapassado.Cabe a esquerda, conforme alerta Safatle  insistir  na existencia de questões eminentemente políticas que devem voltar a frequentar o debate social( Safatle, 2012, p.15), e eu agregaria também,  ao debate cultural.

Se nos anos 60 e 70 em uma conjuntura complexa a "imaginação" e a "criação" do novo estava na pauta dos "indignados" daquela época, não se pode duvidar das possibilidades dos "Indignados" de hoje construírem novos movimentos contra-hegemônicos. Talvez identificar bem quais são os obstáculos e quem são os adversários sejam os primeiros passos...

"Marcelo Ridenti conseguiu, com um talento formidável, fazer reviver os sonhos, as utopias, as lutas, a revolta e a melancolia dos anos rebeldes. Utilizando de forma original e instigante o conceito sociológico de romantismo, ele faz aparecer a secreta unidade, a coerência profunda que atravessa e estrutura a cultura política radical dos anos 60 e 70, e tece, entre seus atores- os artistas socialmente comprometidos-laços de afinidade eletiva. Desde então muitas águas rolaram, mas será que este samba não continua, de outra forma, até hoje? Michael Lowy ( apresentação do Livro)


Documentário "Uma noite em 67"

Referências:
RIDENTI, M. Em busca do povo brasileiro. Artistas da revolução, do CPC à era da tv. Record, 2000.

SAFATLE,V. Cinismo e falencia da cŕitica, São Paulo, Boitempo, 2008.

_____________A esquerda que não teme dizer seu nome.Três Estrelas, 2012.

VELOSO, C. Verdade tropical, Companhia das Letras, 1997

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

"Vocês não estão entendendo nada": Estŕeia do documentário sobre a tropicália







Tropicalismo

O documentário nacional Tropicália chega aos cinemas nesta sexta-feira (14/09). O filme de 82 minutos do diretor Marcelo Machado revisita o movimento cultural  encabeçado por Caetano, Gil, Gal Costa, Tom Zé, Os Mutantes,  Arnaldo Baptista, Rita Lee e Sérgio Dias e pelo poeta Torquato Neto (1944 – 1972) no final da década de 1960 no Brasil.

O filme abriu a edição de 2012 do tradicional festival de documentários É Tudo Verdade, onde ganhou o Prêmio Especial do Júri no 8º International Music & Film Festival (JIMFF), na Coreia do Sul. Além disso, o longa foi exibido em festivais como Telluride Film (EUA) e San Sebastián (Espanha).



LP Manifesto "Tropicália ou Panis et Circencis

Caetano e Gil causaram grande impacto em suas apresentações no III Festival  Música Popular da TV Record , no ano de 1967. Ali, foram lançadas as bases para o Tropicalismo em sua versão musical - um movimento que mesclou manifestações tradicionais da cultura brasileira a inovações estéticas radicais daquela época, como correntes artísticas de vanguarda e da cultura pop nacional e estrangeira (como o Rock e o Concretismo). A tropicália surge em um contexto politico de profundas transformações políticas e culturais marcadas pela resistência à ditadura militar. A Tropicália mesmo sendo um movimento de caráter cultural não deixou de ter um caráter político com sua estética e comportamento que subvertia à ordem exigida pelo sistema.

Em maio de 1968, começaram as gravações do álbum que seria o manifesto musical do movimento, do qual participaram artistas como Gal Costa,Nara Leão, Os Mutantes,Tom Zé - além dos poetas Capinam e Torquato e do maestro Rogério Duprat (responsável pelos arranjos do LP).

A primeira música do álbum é "Miserere Nóbis", de Gil e Capinam. Na seqüência vem "Coração Materno" - canção até então considerada de mau gosto. A faixa-título é interpretada pelos Mutantes, com sinais nítidos do conjunto: a psicodelia. "Baby", grande hit deste álbum, foi cantada por Gal Costa.
O LP foi eleito em uma lista da versão brasileira da revista Rolling Stone como o segundo melhor disco brasileiro de todos os tempos.

O endurecimento da repressão apartir do AI-5 levou Caetano e Gil a saírem do país e os que ficaram sofreram com a perseguição e censura. Mesmo sem os seus líderes o movimento teve forte influência em artistas da geração pós tropicalismo como Sérgio Sampaio, Raul Seixas, Jards Macalé, Luiz Melodia, entre outros.

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Enquanto não temos o documentário disponível na íntegra, postamos aqui o programa Som do Vinil, do Canal Brasil, apresentado por Charles Gavin, especial sobre o disco Tropicália, lançado em maio de 1968. O programa foi realizado esse ano  e é dividido em duas partes. A partir de entrevistas com eos protagonistas do movimento, como Caetano, Gil, Tom Zé, Capinam, podemos  conhecer um pouco da origen e história de um dos mais significativos movimentos culturais da história do Brasil.


Hoje eu queria apenasmente escutar besteiras meu amor...




Postamos hoje duas raras composições de Sérgio, a primeira é a bela , "O que será de nós". Do meu ponto de vista uma das mais lindas composições  escritas por ele; poesia, sensibilidade e emoção nesta composição que fala como ninguém dos sentimentos mais profundos e sinceros do artista. A Segunda é " O que eu sinto agora". Obras primas q, preciosidades que poucos conhecem.

"Hoje eu queria apenasmente escutar besteiras meu amor..."

"Quem vai lembrar você, quem vai lembrar de mim, o que será de nós...

"O silêncio já não me machuca, a loucura já não me embriaga..."



 

Adiante Solilóquio

 

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Jards Macalé mais um "maldito" ensinando e aprendendo a nadar...




Jards Macalé, outro "amaldiçoado" pela mídia. Começou carreira profissional em 1965, como violonista no Grupo Opinião. Fez direção musical dos primeiros espetáculos de Maria Bethânia. Teve composições gravadas por Elisete Cardoso, Nara Leão. Com Gal Costa, Paulinho da Viola  e o parceiro Capinam.

Segundo Rodrigo Moreira, no livro biografia de Sérgio Sampaio, o carioca Jards Macalé foi o primeiro agraciado com o rótulo de "maldito":

"Na MPB dos anos 70, algumas das mais arrojadas e inventivas propostas musicais vinham dos pós-tropicalistas Jards Macalé, Jorge Mautner, Walter Franco, Luiz Melodia e Sérgio Sampaio- os assim chamados, por alguns críticos e executivos de gravadoras, de "malditos" ( Moreira, 2003, p. 204)

Conforme conta Moreira, Jards Macalé surge na cena tropicalista de barba cerrada e metido em uma bata psicodélica causando furor no Festival Internacional da Canção de 1969, ao apresentar sua canção "Gotham City", numa atuação bombástica: "...Cuidado ! Ha um morcego na porta principal", dizia ele, em meio a uma "consagradora" vaia. Como recorda  Moreira, "naquela época, arriscava-se uma carreira em função de propostas estético-musicais que afrontavam toda uma caretice estabelecida e preservada"( Moreira, 2003, p.204)




Em 1969 Macalé   lançou o primeiro disco, "Só Morto". Em 1971, foi para Londres a convite de Caetano Veloso, com quem tocou e gravou, participando do disco Transa .

No mesmo ano, volta ao Brasil, e em 1972 lança seu primeiro LP, Jards Macalé.  Nesse trabalho  mescla rock, samba, bossa-nova, eruditismo, jazz e tropicalismo, chegando perto do que viria a ser o rock brasileiro. Tocado pelo próprio Macalé (violão) acompanhado pelos também geniais Lanny Gordin (baixo e violão de aço) e Tuti Moreno (bateria), o disco tem uma sonoridade crua e nada comercial. As composições são parcerias dele com Capinam, Torquato Neto e Waly Salomão, com quem assina, entre outras, seu maior sucesso, “Vapor Barato”, imortalizado na voz de Gal Costa. Além dessas, ele interpreta “Farrapo Humano” (Luiz Melodia) e “A Morte” (Gilberto Gil).“Jards Macalé” é um álbum muito original e que determinou sua importância artística. Além de ser uma das mais influentes obras da nossa música é também um disco essencial.

Macalé também participou como ator e compositor da trilha sonora dos filmes Amuleto de Ogum e Tenda dos Milagres, de Nelson Pereira dos Santos. Compôs para as trilhas sonoras de Macunaíma de Joaquim Pedro de Andrade, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, de Glauber Rocha,A Rainha Diaba de Antonio Carlos Fontoura, Se segura, malandro!," de Hugo Carvana, Getúlio Vargas, documentário de Ana Carolina. Compôs ainda trilhas sonoras para teatro.




Farinha do desprezo, uma das geniais composições de "Jards Macalé" LP de 1972







LP "Aprender a Nadar" ( 1974) 






Aprender a nadar, foi sua tentativa de arranhar as paradas de sucesso. Foi algo que ele até conseguiu e que lhe valeu alguma - boa - mídia, mas não o suficiente para livrá-lo da pecha de "maldito", de anti-comercial. Apesar da pouca vendagem do primeiro disco, a Philips decidiu manter o contrato do cantor, que aproveitou para gravar um álbum bem menos "econômico", com arranjos mais elaborados - ao contrário do primeiro, no qual se restringia a um grupo básico.

 Em Aprender a nadar, aparecem músicos de estúdio como Wagner Tiso (arranjos, piano), Robertinho Silva (bateria), Rubão Sabino (baixo) e Ion Muniz (flauta), além de um regional que inclui os experientes Canhoto (cavaquinho) e Dino Sete Cordas (violão).

Concebido ao lado de Waly Salomão (que usava a alcunha lisérgica de Wally Sailormoon) era um disco conceitual, com faixas que tratavam de uma certa "linha de morbeza romântica" - morbeza, um neologismo inventado por Waly, era uma mistura de morbidez e beleza, que ele definia como "uma idéia para identificar uma linha de ação, como uma estratégia da qual depois se larga e se busca outra". 
Tal idéia esteve por trás de pelo menos quatro faixas do disco, "O Faquir da Dor", "Rua Real Grandeza", "Anjo Exterminado" (gravada numa versão mais radiofônica por Maria Bethânia no disco Drama) e "Dona do Castelo", como uma retomada, sob um viés tropicalizado, da antiga dor-de-cotovelo. 

Músicas antigas do estilo - ou aproximadas a ele - eram revisitadas em algumas regravações, como "Imagens", de Orestes Barbosa (quase uma pré-psicodelia, em versos estranhos como "a lua é gema do ovo/no copo azul lá do céu.../o beijo é fósforo aceso/na palha seca do amor"). O maior sucesso do LP, no entanto, foi a regravação do clássico "Mambo da Cantareira", antigo sucesso de Gordurinha - que serviu de pretexto para Macalé alugar uma barca da travessia Rio-Niterói e pular na baía de Guanabara ao som da música, na festa de lançamento do álbum. "Orora analfabeta", outro grande sucesso de Gordurinha, cuja letra sacaneava a ignorância das elites, também estava no LP, e também fez sucesso (os versos iniciais são inesquecíveis: "Conheci uma dona boa lá em Cascadura...").

O lado experimental do disco ficava por conta de estranhas vinhetas, como as cinematográficas "Jards Anet da Vida", "No meio do mato" e "O faquir da dor", além da interface música-artes plásticas-cinema, que encontrava seu desvelo na arte da capa e do encarte (com fotogramas de Kakodddevrydo, filme de Luís Carlos Lacerda) e na dedicatória a Lygia Clark e Hélio Oiticica. Numa época em que o barato era freqüentar Ipanema, Jards homenageava um dos pedaços mais suburbanos da zona sul carioca ("Rua Real Grandeza", finalizada com uma engraçada vinheta baseada em "Pam-Pam-Pam", de Paulo da Portela, na qual Wally "tocava" chaves e porta). 

O disco ainda apresentava o poeta underground Ricardo Chacal, lendária figura da vida cultural carioca - até hoje, aliás - ao mundo da música, como letrista de "Boneca semiótica", composta com Macalé, Duda e o multi-homem baiano Rogério Duarte. ( Foto de Macalé e Texto pescado da página do Facebook "Faixa desconhecida")


Macalé dizia que aceitava o rótulo de "maldito", mas "só até 1987", a explicação sobre essa "condição" está publicada no livro de Moreira,a partir de uma entrevista de Jards Macalé para o Jornal Hoje em dia:

" ...esse maldito nos foi dado lá por 70, quando nós, além de fazermos uma música não exatamente como o que estava rolando, éramos o outro lado da moeda. Lutávamos dentro da ditadura. Nossas palavras, atitudes e nossa música nos levaram a um ponto que a indústria fonográfica não sabia como catalogar. Maldito, naquela época, era elogio. O Brasil era um país amaldiçoado. Vários de nós fomos perseguidos, levamos cascudos e acabamos saindo do Brasil, ou expulsos ou porque já era impossível ficar. Só que o tempo passou, da ditadura, caímos na "ditamole" que está aí e ficou o negócio como algo pejorativo. Eles conseguiram fazer isso. Queriam alimentar na época a coisa do maldito para vender nossa poesia, nossa música contra a ditadura. Na era "ditamole" continuou o maldito para anular nossas posições que continuavam e continuam fora do esquadro do Brasil. Então ficou uma coisa de maldito até 1987. Depois, recuso-o totalmente.( Jornal Hoje em Dia, 24/03/1999, publicado em "Moreira, Vou Botar o meu bloco na rua, Muiraquitã, 2003,p.2006)

Dr. Pacheco : O heróis dos dias úteis...




Dr. Pacheco despachando em seu escritório


A música começa com uma espécie de transmissão radiofônica feita por Edy Star, que  introduz essa genial música de Rauzito, no LP "Sociedade da Grã Ordem Kavernista. A música "Dr. Pacheco" é uma sátira muito atual  ao típico burocrata engravatado: "La vai o nosso herói, Dr. Pacheco, com sua careca inconfundível, a gravata e o paletó, misturando-se às pessoas da vida. La vai o Dr. Pacheco, o herói dos dias úteis, misturando-se às pessoas que o fizeram"

Dr. Pacheco  ( Raul Seixas)

Lá vai o nosso herói Dr. Pacheco
Com sua careca inconfundível
A gravata e o paletó
Misturando-se às pessoas da vida
Lá vai Dr. Pacheco
O herói dos dias úteis
Misturando-se às pessoas que o fizeram


Formado, reformado, engomado
Num sorriso fabricado
Pela escola da ilusão
Tem jeito de perfeito
No defeito
Sem ter feito com proveito
Aproveita a ocasião


Dr. Pacheco, vai doutorar
Dr. Pacheco, foi almoçar
Do Do Do Do Do Doutor
Do Do Do Do Do Doutor
Pacheco


Perdido, dividido, dirigido
Carcomido e iludido
Tem nos olhos o cifrão
Disfarça na fumaça
e acha graça
Sem saber que a rua passa
Entre a massa e o caminhão


Dr. Pacheco não vai voltar
Dr. Pacheco foi almoçar
Dr. Pacheco não vai voltar
Dr. Pacheco foi almoçar...


Não vou ser réu dormindo

Aqui mais uma autobiografia poética de Sérgio Sampaio; Velho Bandido que "descobriu que arca já furou" mas não será "réu dormindo", vai dançar rock pra viver, fazer samba pra vender e sempre, sempre sorrindo... É Sampaio por inteiro.

Velho Bandido ( Sérgio Sampaio)

Eu que sou filho de um pai teimoso
Descobri maravilhado que sou mentiroso
Sou feio, desidratado e infiel, bolinha de papel
Que nunca vou ser réu dormindo
E descobri como um velho bandido
Que já tudo está perdido neste céu de zinco
Eu que só tenho essa cabeça grande
Penso pouco, falo muito e sigo pr'adiante
Descobri que a velha arca já furou
Que não desembarcou
Dançou na transação dormindo
E como eu fui o tal velho bandido
Vou ficar matando rato pra comer
Dançando rock pra viver
Fazendo samba pra vender... sorrindo


Postamos aqui a gravação do LP "Tem que acontecer" de 1976 e a gravação emocionante de Sérgio interpretando esta canção ao vivo com seus amigos.

Eu tenho o dom de causar consequencias


Outra obra genial de Sampaio, "Cabras Pastando", do LP "Tem que acontecer" é mais uma de suas composições geniais, que mostra toda sua sensibilidade poética para falar de si próprio.

Postamos aqui uma gravação visceral e emocionante feita na casa de um amigo e a versão do LP, lançado em 1976.

Cabras Pastando ( Sérgio Sampaio)


Eu tenho um dom de causar conseqüências
Um ar de criar evidências
Um sapato novo no lixo
Vem cá, vem me lembrar

Que eu venho de um bando de cabras pastando
De um ninho de cobras me olhando
De herói, de poeta e bandido

Eu vejo um simples carneiro no pasto
Cachorros latindo pra lua
E eu distraído e sem medo
Indo pela rua

Em tempo de ver os cordeiros que pastam
Que amam fechados nos quartos
E pagam pecados a Deus



domingo, 9 de setembro de 2012

Balaio do Sampaio


No ano de 1998 foi lançado o CD "Balaio do Sampaio", reunindo diversos talentos da MPB que interpretaram músicas de Sérgio Sampaio. O projeto foi idéia de Sérgio Natureza. Iniciado em novembro de 1994, ano do falecimento de Sérgio, teve inicio com shows no Rio de Janeiro, depois em 1996 e finalmente o lançamento do CD em 1998. Participaram do CD: Chico César (Em nome de Deus); Erasmo Carlos (Feminino Coração de Deus); João Bosco (Rosa Púrpura de Cubatão); Zeca Baleiro( Tem que acontecer); Zizi Possi ( Meu pobre Blues);Lenine ( Pavio do Destino); João Nogueira(Até outro dia); Eduardo Dusek( Velho bode); Renato Piau ( Que Loucura); Jards Macalé (Velho Bandido); Luiz Melodia( Cala boca Zebedeu), Elba Ramalho(Eu quero é Botar meu bloco na rua). O CD abre com "Bloco" cantada por Sampaio.
( Informações do Livro Eu quero é botar o meu bloco na rua, de Rodrigo Moreira)


Abaixo postamos as interpretações do antológico "Balaio";

Em nome de Deus (Interp. Chico César)






Feminino Coração de Deus ( Interp. Erasmo Carlos)



Rosa Púrpura de Cubatão

  Tem que acontecer Interprete: Zeca Baleiro Meu Pobre Blues, Interprete Zizi Possi 'Pavio do Destino" Interprete Lenine Até outro dia", interprete João Nogueira "Velho Bode", Interpretação Eduardo Dusek Que Loucura, Intérprete Renato Piau Velho Bandido, Interprete Jards Macalé Calaboca Zébedeu", Intérprete Luiz Melodia

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Sérgio Sampaio vive


Jards Macalé, Zeca Baleiro, Luiz Melodia e Marcia Castro no Show Tributo à Sérgio Sampaio


Homenagem à Sérgio Sampaio


Trechos do Show realizado no SESC Pinheiros, com participação de Luiz Melodia, Jards Macalé, Zeca Baleiro e Márcia Castro - 05.07.2009 - São Paulo - imagens: Fernanda Serra Azul.