Dois eventos realizados recentemente me instigaram
a escrever este post. O primeiro foi o lançamento nacional do
documentário sobre a história da Tropicália, um dos mais significativos
movimentos culturais do país e o segundo foi o debate realizado na
USP no final de agosto, que reuniu intelectuais de esquerda para
discutir a "ascensão conservadora em São Paulo" cujo reflexo paradigmático é o fenômeno da candidatura de
Celso Russomano à prefeitura da capital paulista.
O que uma coisa tem a ver com a outra?
O que uma coisa tem a ver com a outra?
Neste debate da USP foi levantada uma questão que pretendo discutir aqui que é a quebra de hegemonia da esquerda na cultura brasileira. Este tema foi apresentado pelo cientista político André Singer que sustentou a tese de que mesmo com o golpe militar de 1964, ao contrário de haver um refluxo das idéias de esquerda, houve uma expansão que foi até a década dos 90; a partir daí tem início uma onda neoliberal no campo econômico, político que atinge também a cultura.
Singer destaca que foi essa hegemonia da esquerda durante 30 anos que obstaculizou, no plano da cultura, a entrada do neoliberalismo no Brasil. Nesse sentido, pode-se verificar que o neoliberalismo no Brasil, ao contrário do resto do mundo, acabou sendo um fenômeno retardatário.
A relação deste debate com a Tropicália está no fato de que este movimento político e cultural é emblemático do período de hegemonia do pensamento de esquerda no plano cultural. Representou não apenas um movimento musical, mas a síntese das mais diversas expressões culturais ( cinema, o teatro, a literatura, a poesia, as artes plásticas) que refletiam um ambiente de profundas transformações políticas pelo que passava o Brasil e o mundo. Não é sem sentido que na capa do disco Tropicália está gravada a data de "maio de 1968".
Conforme Marcelo Ridenti em seu livro Em busca do povo brasileiro- Artistas da revolução, do CPC à era da tv :
"...o tropicalismo não foi uma ruptura
radical com a cultura política forjada naqueles anos, apenas um de
seus frutos diferenciados, modernizador e crítico do romantismo
racionalista e realista nacional-popular, porém dentro da cultura
política romântica da época, centrada na ruptura com o
subdesenvolvimento nacional e na constituição de uma identidade do
povo brasileiro, com o qual artistas e intelectuais deveriam estar
intimamente ligados" (Ridenti, 2007, p.269).
Portanto, fica muito claro o sentido político do
movimento tropicalista, ou seja, era inegável a hegemonia da
esquerda no plano cultural como um processo que acompanhou os avanço
do debate sobre o próprio país como nação e sua identidade:
" Nos anos 60 e 70, nos meios artísticos
e intelectualizados de esquerda, era central o problema da identidade
nacional e política do povo brasileiro; buscava-se a um tempo suas
raízes e a ruptura com o subdesenvolvimento, um desvio à esquerda
do que convencionou-se chamar de era Vargas, caracterizada pela
aposta no desenvolvimento nacional, com base na intervenção do
Estado..( Ridenti, p.11).
Cabe destacar também o cenário internacional que
compunha as circunstâncias históricas fundamentais para a emergência
e consolidação do pensamento de esquerda no plano cultural. Foram vitoriosas ou estavam em curso inúmeras
revoluções de libertação nacional, algumas marcadas pelo ideário
socialista e pelo papel destacado dos trabalhadores do campo, como a
revolução cubana de 1959, a independência das Argélia em 1962 e
outras, além da guerra
antiimperialista em curso no Vietnã, lutas anticoloniais na África etc..
antiimperialista em curso no Vietnã, lutas anticoloniais na África etc..
"O êxito militar destas revoluções é
essencial para entender as lutas políticas e o imaginário
contestador nos anos 60: havia exemplos vivos de povos
subdesenvolvidos que se rebelavam contra as potências mundiais
construindo pela ação as circunstâncias históricas das quais
deveria brotar o homem novo. Especialmente a vitória da revolução
cubana, no quintal dos Estados Unidos, era uma esperança para os
revolucionários na América Latina, inclusive no Brasil(Ridenti, 2000, p.32-33)
Uma passagem interessante sobre o tropicalismo Ridenti conta, a partir do livro Verdade Tropical de Caetano Veloso a relação de identidade dos tropicalistas com a esquerda revolucionária, principalmente a figura de Marighela:
" Em seu livro, Caetano observa a
coincidência de terem publicado numa mesma capa de revista as
primeiras fotos dele e de Gil no exílio e a de Marighela morto. O
episódio foi comentado de maneira velada, para burlar a censura, num
artigo de Caetano para o Pasquim, que terminava com a frase: "
Nós estamos mortos, ele está mais vivo do que nós"(Veloso,
1997, p.427). Não é coicidnência a simpatia por Marighela. Caetano
comulgava com ele a repulsa à ditadura militar(1997, p.178),
chegando a considerar os tropicalistas os mais profundos inimigos do
regime(1997, p.386). Além disso, Marighela era baiano e ousado, como
Gil, Caetano, Glauber e muitos outros artistas que foram
tropicalistas ou contavam com a simpatia do movimento. Como os
tropicalistas, em outro campo de atuação, Marighela desafiava
tanto a ditadura militar como o Partido Comunista e sua burocracia.
Ele era líder da principal dissidência comunista, que implodira a
noção de partido e acentuava a autonomia dos grupos armados para
fazer a revolução, esboçando uma teoria guerrilheira que lembrava
o anarquismo.... Essa aproximação da violência anarquista era
compartilhada, no plano cultural, pelos tropicalistas( Ridenti, 2000,
p. 279)
Na canção 'Alfômega" de Gil, faz uma homenagem à Marighela, morto naquele ano. Gravada por Caetano em seu LP de 1969, Gil pronuncia o nome proibido de Marighela, de modo camuflado para não ser percebido pela censura, mas bem claro para os ouvidos atentos.
Outra canção símbolo do movimento é "Soy loco por ti América", canção composta por Gil e Capinam homenagem à Che Guevara, assassinado em 1967 na Bolívia. " El nombre del hombre muerto/ya no se puede decir-lo/ el nombre del hombre es pueblo" foi a forma de referir-se a Guevara sem citar seu nome.
Soy loco por ti, América/ yo voi traer una mujer plajera/que su nombre sea Martí/.../ como se chama amante desse país sem nome/ esse tango, esse rancho/dizei-me/arde o fogo de conhcecê-la/.../El nombre del hombre muerto/ ya no se puede decir-lo/quien sabe/antes que o dia arrebente/ antes que o dia arrebente/el nombre del hombre muerto/ antes que a definitiva noite/se espalhe en latinoamérica/ el nombre del hombre es pueblo/... espero a manhã que cante/el nombre del hombre muerto/não sejam palavras tristes/soy loco por ti de amores/.../estou aqui de passagem/sei que adiante um dia vou morrer/de susto, de bala ou vicio/ de susto de bala ou vício/num precipício de luzes/entre saudades, soluços/eu vou morrer de bruços/nos braços, nos olhos/ nos braços de uma mulher/nos braços de uma mulher/mas apaixonado ainda/dentro dos braços da camponesa/guerrilheira, manequim/ ai de mim/ nos braços de quem me queira...
Homem, povo, guerrilheiro, morte do herói, no ritmo anárquico de uma rumba, no estilo cubano: o tropicalismo construia à sua maneira o romantismo revolucionário do período.
A identidade política dos tropicalistas com a esquerda era inegável, mas é importante destacar que estamos falando de uma "nova esquerda", uma esquerda anti- stalinista, que acabava entrando em confronto com os ortodoxos do partidão.
Um momento muito emblemático destas diferenças se deu na apresentação de Caetano Veloso no Festival da Canção de 1968 de sua música "È proibido proibir". Uma música que traz no seu título uma das palavras de ordem libertárias que virou símbolo dos estudantes rebeldes de 68. Entretanto, por mais paradoxal que fosse, a juventude de esquerda ortodoxa recebeu a música com muitas vaias o que fez com que Caetano em um momento de grande indignação proferisse um discurso que refletia questionamentos fundamentais sobre o que era aquela juventude.
"Essa é a juventude que quer tomar o poder??? Vocês não estão entendendo nada..."
Essa relação entre cultura e politica é fundamental para compreendermos tanto aquele período de hegemonia da esquerda como o atual, marcado pela quebra desta hegemonia. Como bem destaca Ridenti, na medida em que inexiste uma correspondência mecânica entre os campos das artes e da política, embora estejam indissoluvelmente ligados; nos anos 60 ficava mais uma vez evidente- como em geral ocorre com mais transparência nos momentos de impasses na sociedade- que "a produção cultural é ao mesmo tempo política, e vice-versa, ainda que nem sempre seja possível estabelecer a articulação entre arte sócio-política"( Ridenti, 2000, p.280)
Glauber Rocha e o Cinema Novo, compõe as referências revolucionárias do tropicalismo, que enfrentou a furia tanto da direita como da esquerda ortodoxa.
Resgatar estes elementos de contextualização histórica nos permite compreender como se consolidará essa hegemonia da esquerda no plano cultural nos anos 60,70 e 80 e como e porque houve a mudança que presenciamos hoje marcada pela quebra desta hegemonia do pensamento de esquerda no campo cultural do brasileiro.
Vale reafirmar aqui o que diz Ridenti sobre não fazer um reducionismo sociológico ao analisar as criações culturas, que é uma armadilha a ser evitada: não cabe imaginar as artes como mero reflexo de fatores sócio-econômicos. Não obstante, seria um equívoco analisar a arte pela arte, como se ela pairasse no espaço, independente de sua inserção histórica( Ridenti, 2000, p. 280)
Homem, povo, guerrilheiro, morte do herói, no ritmo anárquico de uma rumba, no estilo cubano: o tropicalismo construia à sua maneira o romantismo revolucionário do período.
A identidade política dos tropicalistas com a esquerda era inegável, mas é importante destacar que estamos falando de uma "nova esquerda", uma esquerda anti- stalinista, que acabava entrando em confronto com os ortodoxos do partidão.
Um momento muito emblemático destas diferenças se deu na apresentação de Caetano Veloso no Festival da Canção de 1968 de sua música "È proibido proibir". Uma música que traz no seu título uma das palavras de ordem libertárias que virou símbolo dos estudantes rebeldes de 68. Entretanto, por mais paradoxal que fosse, a juventude de esquerda ortodoxa recebeu a música com muitas vaias o que fez com que Caetano em um momento de grande indignação proferisse um discurso que refletia questionamentos fundamentais sobre o que era aquela juventude.
"Essa é a juventude que quer tomar o poder??? Vocês não estão entendendo nada..."
Essa relação entre cultura e politica é fundamental para compreendermos tanto aquele período de hegemonia da esquerda como o atual, marcado pela quebra desta hegemonia. Como bem destaca Ridenti, na medida em que inexiste uma correspondência mecânica entre os campos das artes e da política, embora estejam indissoluvelmente ligados; nos anos 60 ficava mais uma vez evidente- como em geral ocorre com mais transparência nos momentos de impasses na sociedade- que "a produção cultural é ao mesmo tempo política, e vice-versa, ainda que nem sempre seja possível estabelecer a articulação entre arte sócio-política"( Ridenti, 2000, p.280)
Glauber Rocha e o Cinema Novo, compõe as referências revolucionárias do tropicalismo, que enfrentou a furia tanto da direita como da esquerda ortodoxa.
Resgatar estes elementos de contextualização histórica nos permite compreender como se consolidará essa hegemonia da esquerda no plano cultural nos anos 60,70 e 80 e como e porque houve a mudança que presenciamos hoje marcada pela quebra desta hegemonia do pensamento de esquerda no campo cultural do brasileiro.
Vale reafirmar aqui o que diz Ridenti sobre não fazer um reducionismo sociológico ao analisar as criações culturas, que é uma armadilha a ser evitada: não cabe imaginar as artes como mero reflexo de fatores sócio-econômicos. Não obstante, seria um equívoco analisar a arte pela arte, como se ela pairasse no espaço, independente de sua inserção histórica( Ridenti, 2000, p. 280)
Os anos de quebra da hegemonia da esquerda no plano cultural
Vladimir Safatle em sua intervenção no mesmo debate da USP, corroborando com a afirmação de Singer sobre essa quebra de hegemonia cultural da esquerda, vai afirmar que estamos vivendo a ascenção de um tipo novo de conservadorismo, que ele vai definir como "filho bastardo do Lulismo. Segundo Safatle esse não é um epifenômeno, ele veio para ficar , pois tem todas as caracteristicas de um fenômeno duradouro, e por isso deve ser objeto das mais profundas preocupações da esquerda .
Esse "filho
bastardo do lulismo"
na visão de Safatle, foi resultado da combinação de três
fatores : uma política de alianças bastante heteróclitas do
governo Lula, reunindo setores conservadores; a criação de um
sistema de assistencia social até então inexistente no Brasil e
aumento do salário mínimo, o que levou ao terceiro fator: uma
integração social a partir do consumo. Estes são os fatores que
vão sustentar a adesão de largas parcelas da população, parcelas
que até então nunca tinham de fato apoiado o PT ou o candidato Lula
construindo uma base social de apoio que perdura até hoje. "Estamos
assistindo a ascenção de um conservadorismo que surge com
essa base social do lulismo que quando associado ao chamado
"conservadorismo orgânico", do qual a classe média
paulistana representa o paradigma fundamental, é extremamente
preocupante", afirmou Safatle.
O que vemos hoje no
Brasil, portanto, é um processo paulatino de constituição de um
pensamento conservador, que não é só sob o ponto de vista
econômico, político, mas um conservadorismo moral, no campo dos
valores e princípios, no plano cultural. Segundo Safatle estariamos
no mesmo caminho do debate político que predomina nos EUA, onde a
cultura é uma área central do embate político. Ou seja, sai a
centralidade do embate politico econômico e o centro é o debate
cultural.
Safatle chama atenção
para o fato de que desde as eleições de 2010 debate se centrou
em torno de questões morais como por exemplo questões vinculadas a
política sobre aborto, casamento homosexual e cotas. Uma mistura de
conservadorismo dos costumes, um anti-intelectualismo ferrenho, que
aparece nos debates sobre a ditadura militar também e uma relação
preocupante entre igreja e Estado que é cada vez mais problemática
com o aparecimento de um novo ator nesse processo que são as igrejas
evangélicas. Essas igrejas evangélicas e petencostais, segundo
Safatle , trouxeram um modo de intervenção política que foi
desenvolvida nos EUA no inicio do século XX baseada na ideologia
da prosperidade, como um elemento cada vez mais forte, o que
explica em larga medida essa profunda adesão dos setores mais
vulneráveis da sociedade aos evangélicos. Esses elementos vão
constituir um caldo dentro do debate dos costumes que vai
paulatinamente forçando essa quebra da hegeminia cultural da
esquerda.
Para Singer esse é um
processo de estruturação de um pensamento de direita que tem
repercussão tanto na massa da chamada nova classe média como na
classe média tradicional. É fundamentalmente o predomínio de um
pensamento de tipo neoliberal, individualizante, mercantilizante,
privatizante que tem repercussão nestes amplos setores sociais,
destaca Singer.
Tanto Singer como
Safatle concordam que esse processo é responsável por essa quebra
da hegemonia de esquerda no âmbito da cultura, mas destacam que
ainda está em curso esse movimento de quebra. Os sinais mais claros
dessa nova hegemonia de direita na cultura pode ser vista no
aparecimento de autores, colunistas, pessoas que tem um público e
que falam e defendem estes pontos de vista com repercussão, o que
não havia até pelo menos os anos 90, e isto ainda está crescendo,
finaliza Singer.
Esta perda de hegemonia
da esquerda é parte, segundo Singer da longa onda neoliberal que
tem um óbvio aspecto conservador que está a serviço daquilo que o
capitalismo tem de mais destrutivo, ou seja, a mercantilização de
todas as áreas da vida, o individualismo feroz, a concepção de que
os problemas sociais se resolvem pela iniciativa privada, e qualquer
forma de intervenção social, sobretudo via Estado fica sendo
demonizada, como algo na visão neoliberal, como algo conservador.
O mais grave é que
este novo conservadorismo é aliado de primeira hora do governo
petista; faz parte da base de sustentação do governo, um
governo de um partido de esquerda que contraditoriamente chega ao
poder e perde a hegemonia cultural, o que poderia ser um elemento de sua maior força. Não
tendo o poder econômico e perdendo a hegemonia cultural, a esquerda
vive um momento muito preocupante. A pergunta é, quem vai frear esse
crescimento? e como?
A vida cultural no
deserto neoliberal
No âmbito da cultura é
visível o impacto neoliberal a partir dos anos 90. Se tentarmos
listar brevemente a "cena cultural" que predomina no Brasil, tentando identificar alguma "novidade" nos últimos 20 anos,
podemos chegar a conclusão que o neoliberalismo foi cruel com a
"criatividade" desta geração.São raríssimas as expressões culturais que conseguiram fugir da "padrão de consumo pasteurizado" instituído pela mídia.
Em todas as áreas da
cultura, seja no cinema, na literatura, nas artes plásticas ou na
música, temos um "deserto de criatividade" e um "mar" de mediocridade que poderíamos dizer que vivemos as "décadas
perdidas da cultura". A mercantilização e
pasteurização da cultura tornou-se predominante em todas as áreas,
o bom mocismo, ou "bundamolismo" dos "jovens talentos" se somam a uma alienação da realidade em que vivem formando uma mesmice mediocre, ou "mais do mesmo" como dizia Renato Russo, que caracteriza não só a música brasileira como outras áreas da cultura. O avanço das novas tecnologias parece proporcional à mediocridade que assola o mundo da cultura no país.
Não foi por nada que a chamada música "sertaneja" foi a trilha sonora dos "anos Collor" na década dos anos 90. Logo em seguida tivemos a "Axé Músic" e o "pagode" como estilos da nova música de massas. Para fechar a primeira década do século XXI temos o surgimento de escrecências mercadológicas como o tal "sertanejo universitário" e o "funk" carioca. Já o rock nacional deu seu último suspiro na década de 80, nada melhor do que foi produzido naqueles anos apareceu até agora. É emblemático que "Michel Teló" e "Restart" compõe a "novidade" que faz a cabeça da juventude brasileira deste início de século XXI.
Na literatura nosso maior sucesso é a pseudo literatura de Paulo Coelho, no cinema nada que chegue minimamente perto do que um dia foi referência mundial de criação moderna como o Cinema Novo, que está a frente até mesmo do nosso tempo atual.
Não foi por nada que a chamada música "sertaneja" foi a trilha sonora dos "anos Collor" na década dos anos 90. Logo em seguida tivemos a "Axé Músic" e o "pagode" como estilos da nova música de massas. Para fechar a primeira década do século XXI temos o surgimento de escrecências mercadológicas como o tal "sertanejo universitário" e o "funk" carioca. Já o rock nacional deu seu último suspiro na década de 80, nada melhor do que foi produzido naqueles anos apareceu até agora. É emblemático que "Michel Teló" e "Restart" compõe a "novidade" que faz a cabeça da juventude brasileira deste início de século XXI.
Na literatura nosso maior sucesso é a pseudo literatura de Paulo Coelho, no cinema nada que chegue minimamente perto do que um dia foi referência mundial de criação moderna como o Cinema Novo, que está a frente até mesmo do nosso tempo atual.
Não queremos aqui simplesmente fazer exercícios de nostalgia ou discursos de que "o passado é sempre melhor", o que queremos analisar é exatamente os processos que levaram a este estado de coisas, a essa mediocridade e pobreza criativa desta nova geração. Procurar entender isso é compreender que existe uma totalidade dos fenômenos sociais que não separam a cultura da economia e da política. O neoliberalismo não se consolidou apenas como projeto econômico político, mas como idéia de mundo possível e desejado. Quando Margaret Tatcher proferiu a frase "não existe mais sociedade, só existe indivíduos", estava expressando a visão de mundo que viria a dominar o mundo.
É sintomático também a ausência de intelectuais de esquerda nos governos do PT. Segundo Safatle, o governo Dilma é o primeiro governo federal que não tem a contribuição de intelectuais, o que elimina qualquer possibilidade de produção de pensamento crítico. Por outro lado os "intelectuais orgânicos" do capital como o Sr. Gerdau ou Delfim Neto, são conselheiros do governo.
É a isso que nos referimos ao falar de reflexo ou impacto, especialmente no que tange a hegemonia
de um pensamento no plano cultural. Estamos falando de uma
determinada ideologia que domina, de uma racionalidade que se impõe
como a única, como horizonte de perspectivas. E esse horizonte pode
ser muito bem caracterizado pelo conceito de "racionalidade
cínica" que predomina no capitalismo contemporâneo, conforma
nos mostra o filósofo Wladimir Safatle, ou seja, os valores normativos como liberdade, democracia, tolerância, são invertidos em sua aplicabilidade e perdem o seu sentido, está aí o cinismo daqueles que matam em "nome da paz", ou são intolerantes com os diferentes em nome da "tolerância".Racismo, desigualdade, exclusão são as práticas que se realizam em nome de nobres valores normativos.
Essa lógica compõe a cultura dominante atual que busca esvaziar o campo político e cultural de qualquer perspectiva que não seja a "satisfação individual", fazendo com que todos estejam resignados com um modo de vida social que ha muito deveria ter sido ultrapassado.Cabe a esquerda, conforme alerta Safatle insistir na existencia de questões eminentemente políticas que devem voltar a frequentar o debate social( Safatle, 2012, p.15), e eu agregaria também, ao debate cultural.
Se nos anos 60 e 70 em uma conjuntura complexa a "imaginação" e a "criação" do novo estava na pauta dos "indignados" daquela época, não se pode duvidar das possibilidades dos "Indignados" de hoje construírem novos movimentos contra-hegemônicos. Talvez identificar bem quais são os obstáculos e quem são os adversários sejam os primeiros passos...
Essa lógica compõe a cultura dominante atual que busca esvaziar o campo político e cultural de qualquer perspectiva que não seja a "satisfação individual", fazendo com que todos estejam resignados com um modo de vida social que ha muito deveria ter sido ultrapassado.Cabe a esquerda, conforme alerta Safatle insistir na existencia de questões eminentemente políticas que devem voltar a frequentar o debate social( Safatle, 2012, p.15), e eu agregaria também, ao debate cultural.
Se nos anos 60 e 70 em uma conjuntura complexa a "imaginação" e a "criação" do novo estava na pauta dos "indignados" daquela época, não se pode duvidar das possibilidades dos "Indignados" de hoje construírem novos movimentos contra-hegemônicos. Talvez identificar bem quais são os obstáculos e quem são os adversários sejam os primeiros passos...
"Marcelo Ridenti conseguiu, com um talento formidável, fazer reviver os sonhos, as utopias, as lutas, a revolta e a melancolia dos anos rebeldes. Utilizando de forma original e instigante o conceito sociológico de romantismo, ele faz aparecer a secreta unidade, a coerência profunda que atravessa e estrutura a cultura política radical dos anos 60 e 70, e tece, entre seus atores- os artistas socialmente comprometidos-laços de afinidade eletiva. Desde então muitas águas rolaram, mas será que este samba não continua, de outra forma, até hoje? Michael Lowy ( apresentação do Livro)
Documentário "Uma noite em 67"
Referências:
RIDENTI, M. Em busca do
povo brasileiro. Artistas da revolução, do CPC à era da tv.
Record, 2000.
SAFATLE,V. Cinismo e
falencia da cŕitica, São Paulo, Boitempo, 2008.
_____________A esquerda que não teme dizer seu nome.Três Estrelas, 2012.
VELOSO, C. Verdade tropical, Companhia das Letras, 1997
Paulo Marques, como tu citou Marcelo Ridenti (que, aliás, acho sensacional, apesar de não ter lido Em busca do povo brasileiro, mas sim Brasilidade revolucionária, que, entretanto, retoma alguns temas), pensei em perguntar se tu deu uma olhada na leitura do Roberto Schwarz (que é bem diferente; "contrária" é forte demais, mas no mínimo é diferente) sobre tropicalismo. Suponho que sim, mas, em especial, considerando que tu falou também no Verdade Tropical, queria saber se tu viu o ensaio do Schwarz sobre as memórias (meio ensaio e quase romance) do Caetano, ensaio este que está no Martinha versus Lucrécia, o novo livro de ensaios do Schwarz. É super provocativo, se tu te interessa pelo livro é uma boa leitura, mesmo que seja para discordar.
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