sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Fernanda Montenegro e Daniel Oliveira interpretam "Maiúsculo", obra prima de Sérgio Sampaio em especial de fim de ano na TV


 Fernanda Montenegro e Daniel de Oliveira mostraram todo seu talento musical para o especial de fim de ano "Doce Mãe". Os atores entraram em estúdio para gravar, entre outras canções,  ‘Maiúsculo’, de Sergio Sampaio, no programa que a Rede Globo exibiu no dia 27 de dezembro.


 Quem assistiu ontem o especial de fim de ano  da Globo, "Doce Mãe", protagonizado por Fernanda Montenegro, produzida pela Casa de Cinema de Porto Alegre e dirigido  pelo talentoso Jorge Furtado teve o privilégio de assistir uma linda cena onde Fernanda Montenegro e Daniel de Oliveira cantam uma das mais belas canções de Sérgio Sampaio, "Maiúsculo". Essa canção só foi gravada postumamente a partir da descoberta de gravações inéditas de Sérgio Sampaio feita por Zeca Baleiro para o disco póstumo "Cruel", lançado em 98 que traz todo o talento de Sérgio.
 A canção  "Maiúsculo" é  mais uma de suas obras primas que podem ser descritas como autobiográficas, falam de suas angustias, seu modo de ver o mundo, que retratam  a vida do artista dele e de muitos outros; criador  e criatura de sua arte, uma arte baseada na liberdade, nos sonhos, medos, angustias : "Vive ao avesso/Medo conhece bem/Sem endereço/Como é que pode/ Não fazer mal também".
"Sou o que sou" é o recado de Sérgio presente em muitas de suas canções. A independência, o não aceitar o que é dado assim como o  reconhecimento de seus "vícios", explicitam o Sérgio Sampaio à margem do sistema que pretendia e pretende "enquadrar" a todos. Ele sabe o que precisa, o que toda pessoa necessita, o carinho para não perder o sentido da vida: Solto meus bixos/Pelas músicas quando me aflijo/Mas um homem sem esse feitiço/E sem um carinho a que recorrer/Pode matar/Querer correr/Pois perdeu todo sentido de viver. Sérgio fala no "sentido de viver" , no carinho,  tudo que ele buscou em sua música e que é a expressão dos mais profundos sentimentos sempre presentes nos seres humanos.

Na cena o mendigo/artista/ser humano/ declama " Tenho meus vícios/Vivem dentro de mim esses bixos/São o pai e a mãe dos meus lixos/E às vezes me levam de mal a pior/Pergunto quem/Não sabe disso/Os momentos em que a vida não tem dó..."

A cena termina com os dois cantando o trecho " Quase não dorme/Vive ao avesso/Medo conhece bem/Sem endereço/Como é que pode/Não fazer mal também..."

 
Maiúsculo ( Sérgio Sampaio)


Como é maiúsculo
O artista e a sua canção
Relação entre Deus e o músculo
Que faz poderosa a sua criação
Pensando bem
É um mistério
Como é misterioso o coração

Como é minúsculo
O olhar de quem vive no escuro
Um sujeito malvado e burro
Alguém machucado como não ter um bem
Não tem porém
Mas tem um tédio
Não ser vítima do assédio de ninguém

Quase não dorme
Vive ao avesso
Medo conhece bem
Sem endereço
Como é que pode
Não fazer mal também

Tenho meus vícios
Vivem dentro de mim esses bixos
São o pai e a mãe dos meus lixos
E às vezes me levam de mal a pior
Pergunto quem
Não sabe disso
Os momentos em que a vida não tem dó

Solto meus bixos
Pelas músicas quando me aflijo
Mas um homem sem esse feitiço
E sem um carinho a que recorrer
Pode matar
Querer correr
Pois perdeu todo sentido de viver



sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Lançada nova edição da Biografia de Torquato Neto



Neste mês de novembro que  foi lembrado os 40 anos do suicídio de Torquato Neto, o "anjo torto" da Tropicália, o jornalista Kenard Kruel lançou a 3 Edição da mais completa biografia de Torquato.

Os bons morrem cedo...

Com apenas 28 anos de idade, o poeta/compositor/agitador cultural/jornalista e um dos mentores do tropicalismo, junto com Caetano e Gil, teve, como muitos gênios uma vida breve, mas que ficou  marcada até hoje pelo que criou e inspirou.

Em outubro passado publicamos um post em nosso blog em homenagem à Torquato : http://viajeidetrem.blogspot.com.br/2012/10/existirmos-que-sera-que-se-destina.html, contando um pouco deste "maldito" e sempre atual poeta brasileiro.

Torquato se destacou pela irreverência e rebeldia. “A vida breve, mas fecunda, de Torquato Neto é uma síntese da grandeza, mas também dos abismos que definem a cultura alternativa e rebelde dos anos 60 e 70”, diz o escritor José Castello. A sua rebeldia figurava também em sua aparência. Seus cabelos compridos e roupas ao estilo hippie o configurava como um homem que recusava o mundo que vivia. “Ele tinha a vontade de destruir o mundo para, nesse mesmo gesto, fazer o parto de um novo”, acrescenta José Castello


Uma semana antes do AI-5 (o famigerado Ato Institucional nº 5, que tirou dos brasileiros todos os seus direitos constitucionais), Torquato foi contemplado com uma bolsa de estudos para escrever sobre as influências africanas na MPB. Assim, viaja para os EUA e Europa no final de 1968. Em Londres ele encontra com os baianos Caetano e Gil, em exílio político, depois da prisão no Brasil.  Entre outras coisas, conta que um dia foi visitar Jimi Hendrix em seu ap e o encontrou ouvindo “aquele álbum branco dos Beatles”. No final de 1969, volta ao Brasil rompido com os baianos.
 Sua morte foi uma retirada inesperada. Na madrugada de 10 de novembro de 1972, 1 dia após completar 28 anos, ele e sua mulher, Ana Maria dos Santos e Silva, voltaram de uma festa. Ela foi dormir. Ele trancou-se no banheiro, ligou o gás e suicidou-se. Deixou o seguinte bilhete : “Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim, chega ! Não sacudam demais o Thiago (seu filho de 3 anos), que ele pode acordar”.

Quem conhece bastante Torquato Neto é seu primo e admirador , George Mendes, tinha apenas 14 anos quando Torquato se suicidou. Em entrevista publicada no blog do jornalista Kenard, George falou um pouco sobre seu primo Torquato:

 Bom, eu costumo dizer que o Torquato é um artista multimídia. Provavelmente, um dos maiores artistas multimídia do Brasil e o primeiro do Piauí. Torquato trabalhou em música, no cinema, literatura e exerceu o jornalismo cultural durante muito tempo. Ele é uma artista de várias linguagens, que são sintetizadas na poesia. A sua essência era a poesia. E como poeta foi compositor, ele compôs letras de música, ele morreu sem deixar um livro publicado de poesia, propriamente dita, mas tem dois livros a serem publicados. Atuou como cineasta, ator, roteirista e artista plástico. Uma coisa que é instigante no Torquato é a gente lembrar que ele morreu tão jovem e construiu uma obra tão instigante, tão vasta e ao mesmo tempo tão quantitativamente pequena. Em dez anos, ele foi capaz de construir uma bora tão inovadora, de tal forma que ela conseguiu se eternizar no tempo. Para você ter uma ideia, as obras de Torquato foram construídas em uma trajetória que começa em Teresina, vai a Salvador, Rio de janeiro, São Paulo, Londres, Paris e Rio, onde ele terminou falecendo...

... Ele era um artista singular, ele não apenas dizia o que ele achava que devia ser feito, ele fazia. Então foi um homem que deu o seu testemunho da concepção artística, do seu fazer artístico, assinando a vida com a própria morte. Se existe uma coisa permanente na obra dele, era essa dualidade entre morte e vida. O Torquato dizia que a morte era o começo de tudo. Ele era filho de um espírita, o pai e de uma católica, a mãe. Ele não escolheu nenhum dos dois, juntou as duas coisas em tudo. Para ele, viver era morrer e morrer era viver, e ele fez isso de uma forma que espantou a todos. Se a gente for pensar nos padrões normais, como passa na televisão, Torquato era tão jovem, tão brilhante e morreu tão cedo e ao mesmo tempo podia ter tido uma carreira brilhante. Se pensarmos o que ele seria hoje, fico imaginando: será que a carreira dele o levaria para uma fama que ele nunca quis, o estrelato que ele nunca quis? Se continuando a vida, ele passaria a cantar? Eu digo que não, porque ele era desafinado. Ele não tocava um instrumento, mas tinha um ouvido extremamente musical. O Gil diz em uma entrevista que fazer música com Torquato era muito fácil, pois ele trazia a música muito pronta, a maneira que ele escrevia já construía a música. Ele sabia a palavra escrita, falada, e sabia o tempo das coisas. É um cara que se tornou importante para a cultura brasileira....


 ....O Torquato se tornou importante para a cultura brasileira, por conta dele, da vida dele, sem medir consequências convencionais. Com isso ele conseguiu se tornar um ícone da contracultura, da tropicália, com disposição de sempre contrariar as coisas. Então, ele nunca foi bonzinho. Ele tinha um jeito meigo e quieto, mas o Torquato era um vulcão criativo, ele nunca quis cultivar o estabelecido, nunca quis louvar aquilo que está na vida de todo mundo. Se você pegar os primeiros poemas de Torquato, você se espanta com a facilidade que ele tinha com as palavras, ele escrevia sobre tudo, escrevia compulsivamente e com uma qualidade impressionante sobre o que vinha na cabeça...

A entrevista completa com o primo de Torquato está no blog: http://krudu.blogspot.com.br/2012/11/torquato-neto-o-maior-multimidia-do.html


Os artigos de sua coluna na Última Hora (Rio de Janeiro, entre 1971 e 1972), ”Geléia Geral”, e poesias inéditas, foram reunidos no livro “Os Últimos Dias de Paupéria”, organizado por Waly Salomão e Ana Maria.

Para quem não conhece a história de vida e a rica obra poética e músical de Torquato, tem a oportunidade de conhecê-la nesta belo livro biografia do jornalista piauiense(conterrâneo de Torquato) Kenard Kruel(que vem pesquisando a vida e a obra  de Torquato a mais de 30 anos) que lançou a 3 edição, revista e ampliada da  biografia do poeta: O livro "Torquato Neto ou a Carne Seca é Servida", uma obra de fôlego, com  mais de 600 páginas imperdíveis para quem já conhece ou quer conhecer Torquato Neto.




O Título é inspirado no poema "Todo dia é dia D" de Torquato


Desde que saí de casa
trouxe a viagem da volta
gravada na minha mão
enterrada no umbigo
dentro e fora assim comigo
minha própria condução
há urubus no telhado
e a carne seca é servida
escorpião encravado
na sua própria ferida
não escapa, só escapo
pela porta da saída
todo dia é o mesmo dia
de amar-te, amor-te, morrer
todo dia é dia dela
pode ser, pode não ser
Todo dia menos dia
Todo dia é dia D


No Blog de Kenard,  www.krudu.blogspot.com (onde se pode encomendar o livro), encontramos um texto  de Everi Carrara apresentando a nova edição da biografia de Torquato:

O escritor piauiense KENARD KRUEL escreveu o livro TORQUATO NETO OU A CARNE SECA É SERVIDA. Um tijolaço de 622 páginas, abrangendo a vida e obra de Torquato Neto, poeta emblemático da Tropicália, que este ano faz 45 anos de história. O livro é imprescindível para os novatos e as gerações mais antigas que pretendem ler e saber um pouco mais sobre Torquato, o poeta suicidado a 10 de novembro de 1972 por essa sociedade ocidental, capitalista e hostil. É um trabalho de fôlego, pois imagino KENARD KRUEL se debruçando sobre fontes de pesquisas, pessoas, filmes e problemas. O legado de Torquato Neto pode ser também conferido pelas interpretações em discos de CAETANO VELOSO, GILBERTO GIL, ELIS REGINA, EDU LOBO, GAL COSTA, LENA RIOS, GIL, TITÃS, ADRIANA CALACANHOTO e especialmente em NARA LEÃO (minha cantora preferida, que gravou "vento de maio" / "mamãe, coragem" / "deus vos salve essa casa santa"). KENARD KRUEL fez um verdadeiro levantamento sobre a cultura brasileira durante os anos de chumbo, pois Torquato era uma espécie de outsider, um poeta-cidadão em permamente risco contra a idelogia esquerdizante e os milicos. Lembra-me de certa forma pertencer a melhor linhagem espiritual de RIMBAUD, ARTAUD, NELSON RODRIGUES, OS BEATNICKS E ROBERTO PIVA. Ou seja, viveu intensamente os extremos, a vidência, não se enquadrava em modismos, em blá-blá-blá acadêmico para auferir altos salários em universidades e boquinhas governamentais.
Vivia na corda bamba. Era um poeta além, subvertia de fato, o coro dos contentes.
Assim como Nara, ele não fazia concessões ao bom gosto, não se curvava perante o bom mocismo. Caetano relata que "torquato era doce", o que me fez pensar mais na proximidade artística do poeta Torquato com Nara. Ambos meigos, corajosos, sutis, dinâmicos, revolucionários na forma e no conteúdo. Ambos suicidados pelo pensamento hegemônico do consumismo boçal.
Everi Rudinei Carrara: editor do site telescopio, músico profissional, escritor, agente cultural, membro da Abrace / uruguai-brasil, membro efetivo da academia Sala dos Escritores, professor de tai chi chuan.


Como não poderíamos deixar que mencionar a música que Sérgio Sampaio fez a partir de sua amizade com Torquato.

"Que Loucura" ( Sérgio Sampaio)






Cajuína, a bela canção que Caetano fez para Torquato Neto:

Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina


segunda-feira, 26 de novembro de 2012

Todo Mundo está Feliz aqui na terra

 Gênios: Raúl ( o produtor) e Sérgio Sampaio nos tempos da "Grã Ordem Cavernistica"

Todo Mundo está feliz aqui na terra foi uma das obras primas criadas pela parceria de Raul Seixas e Sérgio Sampaio no LP  "Sociedade da Grã-Ordem Kavernista Apresenta Sessão das 10" gravado em 1971 nos estúdios da CBS no Rio de Janeiro pelo então produtor Raul Seixas. A "Grã Ordem" era formada pelo próprio Raul , Sérgio Sampaio, o cantor, dançarino e ator Edy Star (então conhecido apenas como Edy) e a cantora paulista Míriam Batucada.
Nesta canção como as outras do LP sobram ironia e crítica de grande conteúdo político, que na época nem todos conseguiram entender. Raúl e Sérgio sempre estiveram a frente de seu tempo.
Impossível não perceber a atualidade desta música que ironiza o "coro dos contentes" que acreditam mesmo que todo mundo está feliz...
 Raúl e Sérgio, sábios que nos fazem falta...

Todo Mundo está feliz aqui na terra ( Raúl Seixas e Sérgio Sampaio) 

Todo mundo está feliz aqui na terra
Todo mundo está feliz aqui na terra
Todo mundo está feliz aqui na terra
Todo mundo está feliz aqui na terra


Olho por cima das cortinas
por dentro das revistas
e vejo o meu sorriso no ar
estou na porta e na janela
na paz na calmaria
no disco voador do amigo


Todo mundo está feliz aqui na terra
Todo mundo está feliz aqui na terra
Todo mundo está feliz aqui na terra
Todo mundo está feliz aqui na terra


Hoje podia ser domingo
segundo de janeiro
pra mim vai dar no mesmo lugar
vai dar na minha alegria
eu não quero mesmo nada
eu não tenho nada a ver
com isso


Todo mundo está feliz aqui na terra
Todo mundo está feliz aqui na terra
Todo mundo está feliz aqui na terra
Todo mundo está feliz aqui na terra


olho por dentro das vitrines
do alto do edifício e
descubro o dia novo no céu
hoje é um dia como outro
esqueci o calendário no bolso da camisa


Todo mundo está feliz aqui na terra
Todo mundo está feliz aqui na terra
Todo mundo está feliz aqui na terra

 


O video que postamos aqui, editado por Eduardo Mota foi muito preciso em retratar o significado irônico da música.

Viajando de Trem com Sérgio Sampaio e Eduardo Vieira da Cunha




Procurando na internet uma imagem que retrata-se,  a fantástica composição "Viajei de Trem" de Sérgio Sampaio, encontrei uma das obras do pintor, fotógrafo, desenhista e gravador, Eduardo Vieira da Cunha. A foto me remeteu a um site que estava  divulgando uma exposição da obra deste artista http://www.bolsadearte.com/oparalelo/category/locais/outros-estado
Também na página, minha maior surpresa foi encontrar  um pequeno texto do próprio Eduardo, com o título "À procura de uma sombra do viajante",  onde escreve sobre o significado do "deslocamento" e da "viajem".
A leitura me remeteu imediatamente a Sérgio Sampaio, criador dessa genial canção, no qual ele interpreta a sua viajem...

À procura de uma sombra do viajante- Eduardo Vieira da Cunha

“Odeio viagens e viajantes”. Com esta frase, um negativo da viagem, Claude Lévy-Strauss se vacinava logo ao abrir o grande poema que representa “Tristes Trópicos”. Um livro do deslocamento filosófico, da filosofia em negativo. O que talvez o etnólogo odiasse mesmo era o desafio de descobrir o noturno do trópico, em vencer seus desafios, penetrar no escuro da mata e passar necessidades, sede e fome. O ganho, entretanto, era a obra em se fazendo.
Viagem, ficção e filosofia. Percursos.  Já que outros filósofos pareciam incólumes a tais dissabores dos viajantes, como Platão e Pitágoras, e se entregavam com prazer às deambulações da viagem didática e de compartilhamento do conhecimento, um terceiro grupo onde incluo também homens de letras se aborrecia com as viagens e o trato com o estrangeiro. Isso porque talvez eles não precisassem procurar o desafio do desconhecido. Encontravam o fascínio da viagem ali mesmo, dentro da própria cidade: Sócrates, que preferia viajar pelas ruas e as praças de Atenas. E Machado de Assis e Mario Quintana, flâneurs do Rio de Janeiro e Porto Alegre, respectivamente.
…Escolho exemplos de outras áreas para falar da vasta questão do deslocamento e da  viagem. Se é muito difícil tratá-los em um texto, muito mais o seria em uma singela exposição. Em todo o caso, sonhos, fotos, papéis soltos, objetos, mapas, itinerários, planos, traduções, desenhos e pinturas ajudam a pelo menos recompor o itinerário de uma viagem produtiva, ociosa positiva e negativamente.
…A imagem desse homem que esperava, esperando talvez a oscilação improvável do corpo do navio enterrado na areia, começou a me perseguir em desenhos e pinturas, além das fotografias.  O emblema de Borges é a ampulheta, aquele rio de areia que pode ser tanto o esquecimento como o elogio ao desprendimento (da areia). Navegando na areia, o homem poderia ter como livro de cabeceira um livro de Borges com o poema Elogio das sombras: “(…) tantas coisas. Agora posso esquecê-las. Chego ao meu centro. À minha Álgebra, meu código. Ao meu espelho. Logo saberei quem sou.”
A fotografia é feita de reflexos, de espelhos e de sombras. Depois desse ocioso exílio do litoral desértico, passei a procurar em outras viagens, reflexos e sombras perdidos:  Busquei na animada, iluminada e extravagante Nova York do final dos  anos 80, e na Paris de matérias sombrias e opacas, cidade noturna dos flâneurs  surrealistas. Não achei nem no lado do otimismo tecnológico, nem no lado da inquietante estranheza. Por isso insisto tentando na pintura. E parafraseando Cortázar, adoto sua máxima: a obra talvez importe, mas não impede de andar.

sexta-feira, 16 de novembro de 2012

Adiante Sampaio




Adiante ( Sérgio Sampaio)


Mais uma das obras primas do gênio Sampaio.
"Embora eu siga adiante
eu sempre fico onde eu passo
eu sempre deixo um pedaço de mim
embora eu siga adiante

e quando eu sigo adiante
eu levo comigo um bem
que é sempre o bem do meu migo
junto com o migo de alguém

e quando eu sigo adiante
eu sempre fico onde eu passo
eu sempre deixo um pedaço de mim
embora eu siga adiante...adiante...adiante."♫

segunda-feira, 15 de outubro de 2012

"Não toco pra polícia"




(...) Eu tenho medo... e quem não tem? Na sociedade do "medo", isso é o que mais se tem, medo de bandido, medo de polícia... medo de dentista. Para falar de seus medos, que são medos de muita gente, Sérgio, da forma que só ele sabia fazer ao falar da vida real, do cotidiano, fez mais uma das suas geniais canções, que como muitas outras retrata sentimentos da vida de todos. "Polícia, bandido, cachorro, dentista foi composta, segundo Rodrigo Moreira a partir do pavor que Sérgio tinha de dentista. Na música ele enumerava esse e outros medos( e aversões) e os fazia interagir. Com sacadas geniais como  estas : " Porque dentista policia minha boca como se fosse bandido(...) e "Porque bandido age sempre às escuras como se fosse cachorro/ Porque cachorro não distingue o inimigo como se fosse polícia/Porque polícia bandideia minha boca como se fosse dentista"

A inclusão da Polícia em um de seus medos não é estranho, principalmente pelo que significava naquele período de repressão, o que, mesmo hoje, em plena "democracia", a polícia continua ainda com sua lógica de terror, principalmente em relação ao povo pobre. Sobre esse medo de Sérgio em relação a polícia Moreira diz " Essa bronca de polícia era antiga, vinha do tempo da ditadura. Em Piúna(ES), fins de 70, Sérgio interrompeu uma canja numa roda de violões ao descobrir que havia um policial à paisana no meio. Levantou-se dizendo: "Não toco pra polícia".( Moreira, R.(2003) Eu quero Botar meu bloco na rua!, p. 164)


A canção ficou inédita, já gravada por Sérgio,  vai compor o repertório do CD póstumo "Cruel" produzido por Zeca Baleiro.

Escute e delicie-se com mais essa genial composição de Sampaio:


Polícia, bandido, cachorro, dentista ( Sérgio Sampaio)

Eu tenho medo de polícia, de bandido, de cachorro e de dentista
Porque polícia quando chega vai batendo em quem não tem nada com isso
Porque bandido quase sempre quando atira não acerta no que mira
Porque cachorro quando ataca pode às vezes atacar o seu amigo
Porque dentista policia minha boca como se fosse bandido
Porque bandido age sempre às escuras como se fosse cachorro
Porque cachorro não distingue o inimigo como se fosse polícia
Porque polícia bandideia minha boca como se fosse dentista
Dentista, dentista...


terça-feira, 9 de outubro de 2012

O operário do samba


 "Sei que minha música não é dançável, mas isso não me preocupa. O que procuro fazer é um trabalho verdadeiro, sem subterfúgios, que enfoque nossa problemática social e cultural"


"Um trabalhador braçal" , assim Sérgio Sampaio se auto-identificava nesta reportagem da revista POP, publicada em junho de 1977(outra relíquia enviada pelo amigo Alipio). A matéria intitulada " O operário do samba", sem assinatura, destaca  um pouco o período em que vivia Sérgio Sampaio e o  lançamento do seu compacto simples com as músicas "Ninguém Vive por Mim" e "História de Um Boêmio", essa última uma homenagem à Nelson Gonçalves, ídolo de Sérgio. 

Abaixo transcrevemos a matéria na íntegra:

O operário do samba

"Sérgio Sampaio não chega a ser um ídolo, nem tem a preocupação de forjar qualquer imagem como cantor ou compositor. Na verdade Sérgio se considera apenas um "trabalhador". Um trabalhador braçal como outro qualquer, que vive de seu ofício e de seu suor. Dentro deste esquema vai levando adiante suas propostas, procurando ser ouvido e entendido: "Sei que minha música não é dançável, mas isso não me preocupa. O que procuro fazer é um trabalho verdadeiro, sem subterfúgios, que enfoque nossa problemática social e cultural. Um trabalho urbano, enfim. Essa é minha música". Sérgio Sampaio andou muito sumido por uns tempos, mas desde seu LP Tem que Acontecer, lançado em agosto do ano passado, tem procurado desenvolver maior regularidade a seu trabalho. Surge agora com um compacto simples que traz duas músicas de sua autoria: Ninguém Vive Por Mim e História de Um Boêmio. Estas duas músicas farão parte do novo LP de Sérgio Sampaio que tem seu lançamento marcado para setembro. Apesar do esquema de trabalho cada vez mais difícil para o artista, Sérgio acha que tem alguma coisa para dizer e continua na briga. Como ele mesmo diz em Ninguém Vive Por Mim: "Fui posto de lado em tudo, marginal, enfim. Mas o pior dos temporais aduba o jardim" ( FOTO KAM)






Fui tratado como um louco, enganado feito um bobo
Devorado pelos lobos, derrotado sim
Fui posto de lado e fui um marginal enfim
O pior dos temporais aduba o jardim
Como um rato de bueiro, como um gato de calçada
Velho mendigo da rua, cão de butiquim
Disse adeus e fui embora, nada é mais ruim
O pior dos temporais aduba o jardim
E eu, boêmio cantor da lua
Doido que não se situa
Fui procurar viver além de mim
E eu, simples cantor solitário
Entre malandros e otários
Vivo o que sou, ninguém vive por mim
Tudo tem seu preço exato, ninguém vai pagar barato
Tudo tem seu peso certo, tudo tem seu fim
Escapei da armadilha, agora estou aqui
O pior dos temporais aduba o jardim
Fui pro mato sem cachorro, numa de "ou mato ou morro"
Enfrentei um osso duro, duro de roer
Escapei dessa quadrilha, agora estou aqui
O pior dos temporais aduba o jardim"

 

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Última esperança



O edifício Joelma, localizado na cidade de São Paulo, atualmente denominado edifício Praça da Bandeira,tornou-se conhecido nacional e internacionalmente quando, em 1 de fevereiro de 1974, um incêndio provocou a morte de 187 pessoa. Sérgio na ocasião, compôs uma canção( ainda inédita) chamada "Última esperança".
Como toda obra de Sérgio, os fatos da realidade servem para composições que falam muito mais do que o fato em si que lhe deram origem. Os versos originais dizem "Você que está em casa, um conselho vou dar, abra a janela, arrebente o portão... Quando num dado momento, sem ninguém esperar o fogo pode pegar..." Não podemos esquecer o contexto em que Sérgio estava, era o ano de 1974, período mais duro da censura e da represssão da ditadura militar. Mandar as pessoas "arrebentar o portão", porque o "fogo poderia pegar", serve muito bem como metáfora para o período. A última esperança é o vôo... a esperança de voar...


Última esperança ( Sérgio Sampaio) 

"Você que está em casa
um conselho vou dar
Abra a janela, arrebente o portão
Quando num dado momento
sem ninguém esperar
o fogo pode pegar...

Nem bombeiro pode apagar...
e é proibido fumar

Você tá cego, você tá doido,

Última esperança
Ultima esperança

Esperança de voar...



terça-feira, 2 de outubro de 2012

Existirmos, a que será que se destina?: O legado do "anjo torto" Torquato Neto, por Paulo Marques

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"Escute, meu chapa: um poeta não se faz com versos. É o risco, é estar sempre a perigo sem medo, é inventar o perigo e estar sempre recriando dificuldades pelo menos maiores, é destruir a linguagem e explodir com ela (…). Quem não se arrisca não pode berrar."(Torquato Neto)


Neste ano de lançamentos de documentários sobre a Tropicália e filmes como  "Na estrada" , baseado na obra cult do Beat Jack Kerouac, o tema da "contracultura" volta a pauta, o que nos permite resgatar um período que parece ter  ficado no passado( a juventude atual que o diga) e  discutir o que significou a contracultura, como um movimento político-cultural que não só marcou uma época como deixou um legado que merece ser discutido/pensado pela geração de hoje.

Nesse sentido, que resgataremos neste post  a história e o legado de um dos maiores ícones daquele período de emergência da contracultura  no Brasil: o poeta piauiense Torquato Neto, que foi  um dos mais atuantes produtores da poesia e da cultura chamada "marginal" dos anos 70. No mês de novembro deste ano completará 40 anos de seu precoce falecimento.
 
 
"Um artista que viveu pouco, mas viveu intensamente...



Alguns estudiosos desse período apontam Torquato Neto como um dos mais representativos representantes das várias tendências da época, por muitos considerado o verdadeiro fundador deste estilo vanguardista da contracultura.

Torquato Neto teve uma morte trágica, suicidou-se aos 28 anos de idade no dia de seu aniversário em novembro de 1972. Ha 40 anos morria o "Anjo Torto do tropicalismo" o "poeta maldito" "agitador da contracultur". Ele não foi somente um grande ícone dos anos 60, mas sobretudo um dos cabeças do movimento tropicalista.

Como bem definiu o escritor José Castello "Com uma  vida  breve, mas fecunda,  Torquato Neto é uma síntese da grandeza, mas também dos abismos que definem a cultura alternativa e rebelde dos anos 60 e 70 (...)  A sua rebeldia figurava também em sua aparência. Seus cabelos compridos e roupas ao estilo hippie o configurava como um homem que recusava o mundo que vivia. “Ele tinha a vontade de destruir o mundo para, nesse mesmo gesto, fazer o parto de um novo”, acrescenta Castello.

 


Documentário curta metragem sobre Torquato Neto, realizado em 2010

Torquato Neto era filho de um defensor público (Heli da Rocha Nunes) e de uma professora primária de Teresina (Maria Salomé Nunes). Mudou-se para Salvador aos 16 anos para os estudos secundários, onde foi contemporâneo de Gilberto Gil no Colégio Nossa Senhora da Vitória e trabalhou como assistente no filme Barravento de Glauber Rocha.
Torquato envolveu-se ativamente na cena cultural da capital baiana, onde conheceu, além de Gil,Caetano Veloso, Gal Costa e Maria Bethania. Em 1962, mudou-se para o Rio de Janeiro para estudar jornalismo na universidade, mas nunca chegou a se formar. Trabalhou para diversos veículos da imprensa carioca, com colunas sobre cultura no Correio da Manhã,Jornal dos Esportes e Última Hora.

Torquato, Caetano e Capinam


Torquato atuava como um agente cultural e polemista defensor das manifestações artísticas de vanguarda, como a Tropicália, o Cinema Marginal e a Poesia Concreta, circulando no meio cultural efervescente da época, ao lado de amigos como os poetas Décio Pignatari,Augusto e Haroldo de Campos, o cineasta Ivan Cardoso e o artista plástico Hélio Oiticica. Nesta época, Torquato passou a ser visto como um dos participantes do Tropicalismo, tendo escrito o breviário "Tropicalismo para principiantes", onde defendeu a necessidade de criar um "pop" genuinamente brasileiro:
 "Assumir completamente tudo que a vida dos trópicos pode dar, sem preconceitos de ordem estética, sem cogitar de cafonice ou mau gosto, apenas vivendo a tropicalidade e o novo universo que ela encerra, ainda desconhecido". Torquato também foi um importante letrista de canções icônicas do movimento tropicalista.

 Foto da histórica passeata dos 100 mil realizada no Rio de Janeiro em junho de 1968 que reuniu vários artistas e intelectuais em protesto contra a ditadura( em dezembro do mesmo ano o regime se fecharia ainda mais com a decretação do AI-5). No primeiro plano, aparece Torquato Neto e ao seu lado estão Gilberto Gil e Nana Caymmi.

No final da década de 1960, com o AI-5 e o exílio dos amigos e parceiros Gil e Caetano, viajou pela Europa e Estados Unidos com a mulher Ana Maria e morou em Londres por um breve período. De volta ao Brasil, no início dos anos 70, Torquato começou a se isolar, sentindo-se alienado tanto pelo regime militar quanto pela "patrulha ideológica" da esquerda ortodoxa. Passou por uma série de internações para tratar do alcoolismo, e rompeu diversas amizades. Em julho de 1971, escreveu a Hélio Oiticica:
 "O chato, Hélio, aqui, é que ninguém mais tem opinião sobre coisa alguma. Todo mundo virou uma espécie de Capinam (esse é o único de quem eu não gosto mesmo: é muito burro e mesquinho), e o que eu chamo de conformismo geral é isso mesmo, a burrice, a queimação de fumo o dia inteiro, como se isso fosse curtição, aqui é escapismo, vanguardismo de Capinam que é o geral, enfim, poesia sem poesia, papo furado, ninguém está em jogo, uma droga. Tudo parado, odeio."


O "Blogueiro dos anos 70" 
 
Poderíamos dizer que Torquato Neto foi uma espécie de "blogueiro dos anos 70". Escrevia a coluna “Geléia Geral” no jornal Última Hora, onde cobria a vida cultural brasileira (especialmente do Rio), com foco na música, no cinema e num pouco de literatura. Todos que liam sua coluna podiam acompanhar dia após dia, na sua “Geléia Geral”, a história da música brasileira (e mundial) nos ricos anos 71 e 72. Torquato, saudosista, reclamava que a MPB estava muito parada. Para quem lê essa definição da música brasileira hoje parece uma ironia. Eram os anos de “Fa-Tal” de Gal Costa (Com “Vapor Barato” e “Pérola Negra”), “Transa” o (disco em inglês) cult do Caetano, “Construção” do Chico Buarque (com a faixa título mais “Cotidiano”, “Deus lhe pague”, “Valsinha” e meia dúzia de clássicos) e o discão do rei Roberto Carlos que trazia “Detalhes”, “Debaixo dos Caracói dos seus cabelos” e “Como dois e dois”. Lá fora, John Lennon estava de música nova: Imagine. E Torquato avisava seus leitores para se ligar em uma banda inglesa que estava amadurecendo bem: o Pink Floyd (Ainda dois anos distante de lançar seu mega-sucesso “The Dark Side of the Moon”). E os Novos Baianos começavam a se tornar íntimos de João Gilberto(influência que daria origem ao clássico “Acabou Chorare”).
Comparando com o que temos hoje na "cena cultural" brasileira é possível dimensionar o tamanho do "deserto criativo" que estamos atravessando....

No cinema, Torquato era do time dos “undigrudis”: Ivan Cardoso,Rogério Sganzerla e, claro, Zé do Caixão. Descia a lenha no cinema novo, de Cacá Diegues e Arnaldo Jabor, que passaram a ser patrocinados por recursos federais(lembrem-se que viviamos o ínicio da longa noite de 25 anos de ditadura militar). Só poupava Glauber Rocha das críticas. E se empolgava com a tecnologia das câmeras Super 8. Torquato, um visionário, 40 anos antes de Youtube e das filmadoras digitais já  previa: todo mundo vai ser cineasta.

 Torquato Neto como o "Nosferatu brasileiro"


Sobre o legado da vida e a obra de Torquato Neto destacamos o livro “Os últimos dias de paupéria” (organizado por Wally Salomão e Ana Maria Silva de Araújo Duarte) que foi publicado postumamente. Torquato estava preparando um livro (que devia chamar-se “Do lado de dentro”) quando se suicidou com gás de cozinha no dia do seu aniversário de 28 anos. Morreu sem publicar nenhum livro em vida. Deixou suas crônicas musicais, suas letras (“Geléia Geral” e “Louvação” com Gil, mais uma dezena com Caetano, Jards Macalé, Edu Lobo e a parceria póstuma de “Go Back” com os Titãs), algumas cartas (numa das quais conta como fumou haxixe com JIMI HENDRIX) e poesias – era poeta tropicalista, amigos dos concretistas e admirador da poesia marginal de Chacal, então estreante.  Sua empolgação com música-cinema-literatura não o segurou na vida, deprimido com a falta de liberdade da ditadura e a falta de bom gosto da esquerda. Nasceu no tempo errado.
Torquato se matou um dia depois de seu 28º aniversário, em 1972. Depois de voltar de uma festa, trancou-se no banheiro e abriu o gás. Sua mulher dormia em outro aposento da casa. O escritor foi encontrado na manhã seguinte pela empregada da família.
Sua nota suicida dizia:

"Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim, chega! Não sacudam demais o Thiago, que ele pode acordar". Thiago era o filho de dois anos de idade.

Na época da morte de Torquato, Caetano que era seu grande amigo e admirador, encontrava se ensaiando com Chico Buarque o disco, que seria um marco da música chamado Chico e Caetano ao vivo no teatro Castro Alves. Caetano dissera após a morte, que na época da tragédia não conseguiu entender direito por estar muito concentrado no evento ( não entendeu de fato a perda) e que, inclusive, Chcio teria sentido muito mais no momento.

Passado algum tempo, Caetano passa em turnê por Teresina. O pai de Torquato Neto, sabendo da sua grande amizade que seu filho tinha com Caetano resolveu ir visitar o artista no hotel e os dois rumaram para a casa do Pai de torquato. Ao chegar na casa, Caetano entrou em prantos e afirmou que, naquele momento, teria entendido a perda do amigo.

O Pai de Torquato não falava nada, enquanto Caetano chorava e via algumas fotos antigas. Então, ele como cortesia serviu uma Cajuína, bebida típica e deliciosa da cidade de Teresina, e trouxe do seu quintal um pé de Rosa Pequena para Caetano.

Ao voltar ao hotel, Caetano havia composto uma linda homenagem ao seu grande amigo. Amúsica "Cajuína" não é somente uma música, ela é uma poesia-homenagem , uma cancão de despedida e à Torquato Neto. Essa história Caetano contou em um programa de TV.

"Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina
"


Lembrar de Torquato é também uma justa homenagem a este agitador da contracultura, "louco visionário", que é parte de uma geração de  "gênios malditos" como Raul Seixas, Tom Zé, Jards Macalé, Luiz Melodia e Sérgio Sampaio.
Da amizade de Sérgio Sampaio e Torquato Neto  que foi composta  uma das belas canções de Sampaio; a música  "Que Loucura", gravada no seu segundo LP "Tem que acontecer" de 1976 é uma homenagem a Torquato
No livro biografia de Sérgio Sampaio " Eu quero é botar o meu bloco na rua" , Rodrigo Moreira conta a origem da música :
" (...) O legendário "anjo torto" costumava relatar a Sérgio seus entra-e-sai de manicômios, quando fazia amizade com diretores, médicos e pacientes. Retornando sempre que desejava, Torquato encontrava seu quarto "reservado", com máquina de escrever e tudo o mais à sua disposição. Inspirado nas histórias, Sampaio compôs uma canção, gravada somente quatro anos depois, em homenagem a esse quixotesco personagem, que reverenciava. Na verdade, Torquato havia lhe entregado certa vez uma letra, dizendo: "Fiz um negócio pra você musicar". Sérgio leu e respondeu: "Pô, mas isso aqui não dá música". Torquato então lhe disse: "Faça assim mesmo, só pra nós dois(...)"(Moreira, 2003, p.76)

Que Loucura ( Sérgio Sampaio)

Fui internado ontem
Na cabine cento e três
Do hospício do Engenho de Dentro
Só comigo tinham dez
Estou doente do peito
Eu tô doente do coração
A minha cama já virou leito
Disseram que eu perdi a razão
Tô maluco da idéia
Guiando carro na contramão
Saí do palco e fui pra platéia
Saí da sala e fui pro porão...


Neste video Sérgio conta essa história sobre "Que loucura"


Os poemas-musicados de Torquato são cantados até hoje, vale lembrar a gravação pelos Titãs de Go Back , grande sucesso do grupo que deu título ao primeiro álbum ao vivo da banda. A poesia concreta de Torquato é uma das influências do cantor e compositor Arnaldo Antunes.


Go Back ( Torquato Neto )
Você me chama
Eu quero ir pro cinema
Você reclama
Meu coração não contenta
Você me ama
Mas de repente
A madrugada mudou
E certamente
Aquele trem já passou
Se passou, passou
Daqui pra melhor
Foi!
Só quero saber
Do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder
Só quero saber
Do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder...(2x)
Você me chama
Eu quero ir pro cinema
Você reclama
Meu coração não contenta
Você me ama
Mas de repente
A madrugada mudou
E certamente
Aquele trem já passou
Se passou, passou
Daqui pra melhor
Foi!
Só quero saber
Do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder
Só quero saber
Do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder...(2x)
-"Não é o meu país
É uma sombra que pende
Concreta
Do meu nariz em linha reta

Não é minha cidade
É um sistema que invento
Me transforma
E que acrescento
À minha idade
Nem é o nosso amor
É a memória que suja
A história que enferruja
O que passou
Não é você
Nem sou mais eu
Adeus meu bem
Adeus! Adeus!
Você mudou, mudei também
Adeus amor! Adeus!
E vem!"
Só quero saber
Do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder
Só quero saber
Do que pode dar certo
Não tenho tempo a perder...(2x)

Letrista de grandes sucessos com vários parceiros Torquato foi autor de sucessos como "Pra dizer adeus" com Edu Lobo e gravado por Maria Bethania, " Geléia Geral", "Louvação" e "Marginália II" "Soy Loco por ti América" ( Homenagem à Che Guevara que havia sido assasinado naquele ano de 1967) com Gil e gravada por ele.


 Marginália II (Torquato Neto)

Eu, brasileiro, confesso
Minha culpa, meu pecado
Meu sonho desesperado
Meu bem guardado segredo
Minha aflição

Eu, brasileiro, confesso
Minha culpa, meu degredo
Pão seco de cada dia
Tropical melancolia
Negra solidão

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo

Aqui, o Terceiro Mundo
Pede a bênção e vai dormir
Entre cascatas, palmeiras
Araçás e bananeiras
Ao canto da juriti

Aqui, meu pânico e glória
Aqui, meu laço e cadeia
Conheço bem minha história
Começa na lua cheia
E termina antes do fim

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo

Minha terra tem palmeiras
Onde sopra o vento forte
Da fome, do medo e muito
Principalmente da morte
Olelê, lalá

A bomba explode lá fora
E agora, o que vou temer?
Oh, yes, nós temos banana
Até pra dar e vender
Olelê, lalá

Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo
Aqui é o fim do mundo



Em 1992, outro grande amigo de Torquato Neto, o cineasta Ivan Cardoso, produziu e apresentou um programa especial sobre o poeta no programa Documento Especial. Postamos aqui este programa histórico com diversos depoimentos dos amigos e admiradores deste grande poeta maldito.



 Torquato Neto por ele mesmo em sua poesia Cogito:

Cogito 

eu sou como eu sou
pronome
pessoal intransferível
do homem que iniciei
na medida do impossível


eu sou como eu sou

agora
sem grandes segredos dantes
sem novos secretos dentes
nesta hora


eu sou como eu sou

presente
desferrolhado indecente
feito um pedaço de mim


eu sou como eu sou

vidente
e vivo tranqüilamente
todas as horas do fim.



Jards Macalé e o ator Paulo José em homenagem à Torquato Neto




A obra de Torquato Neto
Composições
* A coisa mais linda que existe (com Gilberto Gil)
* A rua (com Gilberto Gil)
* Ai de mim, Copacabana (com Caetano Veloso)
* Andarandei (com Renato Piau)
* Cantiga (com Gilberto Gil)
* Capitão Lampião (com Caetano Veloso)
* Coisa mais linda que existe (com Gilberto Gil)
* Começar pelo recomeço (com Luiz Melodia)
* Daqui pra lá, de lá pra cá
* Dente por dente (com Jards Macalé)
* Destino (com Jards Macalé)
* Deus vos salve a casa santa (com Caetano Veloso)
* Domingou (com Gilberto Gil)
* Fique sabendo (com João Bosco e Chico Enói)
* Geléia geral (com Gilberto Gil)
* Go back (com Sérgio Britto, dos Titãs)
* Juliana (com Caetano Veloso)
* Let’s play that (com Jards Macalé)
* Lost in the paradise (com Caetano Veloso)
* Louvação (com Gilberto Gil)
* Lua nova (com Edu Lobo)
* Mamãe coragem (com Caetano Veloso)
* Marginália II (com Gilberto Gil)
* Meu choro pra você (com Gilberto Gil)
* Minha Senhora (com Gilberto Gil)
* Nenhuma dor (com Caetano Veloso)
* O bem, o mal (com Sérgio Britto, Titãs)
* O homem que deve morrer (com Nonato Buzar)
* O nome do mistério (com Geraldo Azevedo)
* Pra dizer adeus (com Edu Lobo)
* Quase adeus (com Nonato Buzar e Carlos Monteiro de Sousa)
* Que película (com Nonato Buzar)
* Que tal (com Luís Melodia)
* Rancho da boa-vinda (com Gilberto Gil)
* Rancho da rosa encarnada (com Gilberto Gil e Geraldo Vandré)
* Todo dia é dia D (com Carlos Pinto)
* Três da madrugada (com Carlos Pinto)
* Tudo muito azul (com Roberto Menescal)
* Um dia desses eu me caso com você (com Paulo Diniz)
* Veleiro (com [[Edu Lobo)
* Vem menina (com Gilberto Gil)
* Venho de longe (com Gilberto Gil)
* Vento de maio (com Gilberto Gil)
* Zabelê (com Gilberto Gil)
Discografia
* Tropicália ou panis et circensis (1968) – Philips LP
* Os últimos dias de Paupéria (1973) – Eldorado Editora Compacto simples
* Torquato Neto – Um poeta desfolha a bandeira e a manhã tropical se inicia (1985) – RioArte/Prefeitura do Rio de Janeiro e Governo do Estado do Piauí LP
* Todo dia é dia D (2002) – Dubas Música CD
Bibliografia
Torquato Neto. Os Últimos Dias de Paupéria. (Org. Ana Maria Silva Duarte e Waly Salomão), Rio de Janeiro: Max Limonad, 1984.
Torquato Neto. Torquatália – do Lado de Dentro: Obra Reunida de Torquato Neto (vol. 1). (Org. Paulo Roberto Pires). Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2005.
Torquato Neto. Torquatália – Geléia Geral: Obra Reunida de Torquato Neto (vol. 2). (Org. Paulo Roberto Pires). Rio de Janeiro: Editora Rocco, 2005.
 Pra mim Chega - A Biografia de Torquato Neto de Toninho Vaz, que também já biografou o poeta Paulo Leminski.
Filmografia
Como ator
* Nosferatu, de Ivan Cardoso. Como protagonista, “Vampiro” (1970).
Referências
* Torquato Neto. – Verbete sobre o escritor no Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira.
* Toninho Vaz. Pra Mim Chega: a Biografia de Torquato. São Paulo: Casa Amarela, 2005.
* Paulo Henriques Brito. Torquato Neto. Centro de Cultura Alternativa/ Rio Arte / Projeto Torquato Neto/ Secretaria de Cultura, Desportos e Turismo do Piauí, 1985.
Encerramos  nossa homenagem com uma das mais belas poesias-canções de Torquato Neto, interpretada com maestria por Gilberto Gil:  Todo dia é dia D  

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Show Tributo a Sérgio Sampaio em Porto Alegre

IMPERDÍVEL, para os admiradores do genial Sérgio Sampaio e aqueles que ainda não tiveram o privilégio de conhecer sua obra.

Em Porto Alegre,

O Grupo História de Boêmio  realiza no dia 29/09, sábado, no Amnésia Bar , mais um dos seus shows Tributo à Sérgio Sampaio

 O Grupo  História de Boêmio teve início em 2007 e tem como objetivo pesquisar e difundir a obra do compositor capixaba Sérgio Sampaio. 

Em sua página no facebook o grupo destaca seu objetivo: 
 
"Prestamos homenagem a esse compositor singular apresentando músicas de seus quatro discos e diversos compactos, executando os arranjos originais e releituras. O grupo é formado por Pablo Fernandes (pandeiro), Jefferson Azevedo (surdo), Rafael Fernandes (bateria), Felipe Prestes (baixo), Ricardito Bordã (violão) e Gabriel Maciel (vocal). contato: (51) 9224-3281 

O AMNÈSIA BAR POA, fica  na João Alfredo, 669, Cidade Baixa. O show começa as 23h.

Umas doses de Sampaio : 



quarta-feira, 19 de setembro de 2012

Balada dos esqueletos americanos ( Ginsberg & MacCartney)




Apresentação antológica do poeta Beat  Allen Ginsberg recitando seu poema "Esqueletos Americanos" acompanhado da guitarra de Paul MAcCartney


Na estrada: Um pouco da história da geração Beat por Paulo Marques




 "E me arrastei, como tenho feito em toda a minha vida... indo atrás das pessoas que me interessam... porque os únicos que me interessam são os loucos... os que estão loucos pra viver, loucos pra falar... que querem tudo ao mesmo tempo, aqueles que nunca bocejam e não falam obviedades... mas queimam, queimam, queimam como fogos de artifícios no meio da noite."
( Trecho do livro On The Road de Jack Kerouac)


Lançado no mês passado e ainda em cartaz  o filme "Na Estrada" de Walter Salles é uma adaptação para o cinema do livro "On the Road" do escritor norte-americano Jack Kerouac, um dos mais representativos integrantes da chamada geração ou movimento "Beat".

Neste post não falaremos do filme, mas sim realizaremos uma breve análise da geração Beat, movimento de contracultura surgido nos EUA nos anos 50 e precursos do que viria a ser o movimento hippie nos anos 60 e 70.





Precursores dos hippies,  os "beats" surgem na Califórnia nos anos 50 no contexto do pós segunda guerra como uma clara manifestação de revolta contra a lógica racional-capitalista que se consolidava a partir do "modo de vida americano", produtivista e consumista como paradigma da modernidade ocidental. Não foi a toa que um movimento como o dos Beats, de reação tão forte contra o establishment tenha surgidoo nos EUA, pois é justamente este o país onde o capitalismo com sua racionalidade burocrática atingia o auge do desenvolvimento. Os EUA saia vitorioso da segunda guerra mundial e consolidado como principal potencia econômica do mundo.

A chamada "geração Beat" constituía o primeiro movimento literário verdadeiramente popular que acontecia nos EUA desde a geração dos anos 20. seus principais representantes, os escritores e poetas Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Gregory Corso, Gary Snyder e Laurence Ferlingheti influenciava na virada dos anos 50 para os 60 mais profundamente a sociedade americana do que  Ernest Hemingway e Fitzgerald em seu tempo(Peçanha, 1987, p.28)

Dóris Peçanha em seu livro "Geração Beat, rebeldia de uma geração", afirma que " a juventude atual que deles tanto herdou tem uma noção mínima ou desconhecem totalmente a geração Beat. ignoram que os hippies e grupos expressivos como os Beatles são os continuadores de um estilo de vida, princípios e objetivos delineados por aquela geração(Peçanha, 1987, p.29)

Outro autor, Bruce Cook, autor de um dos livros de referência sobre os Beats " The Beat Generation" afirmou que se, em 1958 alguém fosse a um Campus universitário nos EUA e perguntasse quem eram os Beats, ouviria sempre a menção a três nomes: Jack Kerouac, Gregory Corso e Allen Ginsberg. Corso foi um jovem poeta de Nova York que mal tinha frequentado a escola secundária, mas tinha um papel ativo entre os Beats com uma significativa obra. Ginsberg, o poeta da obra "Uivo, Kaddish e outros poemas" se destacou pelo seu estilo próprio de poeta Beat com sua poesia confessional que era a antítese dos versos calculados e precisos dos poetas tradicionais. Seus poemas eram recitados por ele ao ar livre, no Campus, sua influência foi grande entre os jovens que o consideravam um guru, professor.


 Os poetas e escritores da Beat Generation( da esquerda para a direita Jack Kerouac, Neal Cassidy, Allen Guinsberg(de preto), Gregory Corso e Ferlingheti

Entretanto, foi Kerouac que se tornou o maior símbolo de escritor e poeta beat. Segundo os estudiosos da geração Beat, se fosse possível identificar um marco para o movimento este seria  o livro "On the Road" de Jack, romance que teve grande efeito sobre a juventude porque era o "seu livro", ou seja, o livro que contava a história daqueles jovens, ou melhor os anseios, sonhos e desejos de uma vida de liberdade e menos ordinária do que aquela desejada e vivida por seus pais.

Conforme estudo de Peçanha, as origens do termo Beat são obscuras, mas é um termo que remonta ao Oeste Americano do século XIX ou ao Sul rural. Os músicos de jazz, em 1940, também usavam esse termo cujo significado é bem claro para a maioria dos americanos, Beat é igual a "golpeado", "batido" e implica em um sentimento de "ser usado". Kerouac dizia: "Para mim, significa ser pobre...e ainda ser iluminado, ter idéias iluminadas sobre o apocalipse e tudo isso".

Coube a Revista LIFE fazer um dossiê sobre o fenômeno Beat, o que aconteceu muiito tarde, no final de 1959, através de Paul O Neil que definia os Beats como "Os homens influentes mais estranhos que o século XX já produziu"(Peçanha, 1987, p. 28)

Peçanha destaca a relação dos beat com a música em especial o jazz que teve grande influência no estilo de suas obras literárias:

"fizeram no seu tempo uma tentativa um tanto infrutífera de unir seu trabalho com o jazz. Sentiam que o jazz era a sua única música, o som nervoso da vida batendo à sua volta e ainda mais porque não tinha o respeito que veio a obter posteriormente. Pelo contrário, sugeria uma atmosfera ilegal. A rapidez, o impulso do jazz eram as qualidades que todo novelista beat tentava captar e imprimir em sua obra. Todas as primeiras novelas beat têm obrigatoriamente uma cena com jazz ( Peçanha, op.cit p. 30)

Jack Kerouac era obcecado por jazz e sua escrita, que pode ser verificada nitidamente em On the Road é marcada por uma prosa espontânea, jazzistica. Foi ele que mais trabalhou para a união da poesia com o ritmo do jazz. Mesmo que nem sempre essa idéia funcionasse, dado que a música era mais complexa e menos livre, a idéia sugeria um retorno à velha concepção de poesia como canção e indicava muitas possibilidades que posteriormente seriam utilizadas pelo rock, o que aconteceu nos casos dos poetas do rock dos anos 60 como Bob Dylan, Paul Simon e John Lennon entre outros. Peçanha destaca ainda que independente do jazz, a quase totalidade da poesia beat era escrita para ser recitada.

Dylan teve forte influência dos poetas Beats. Uma de suas referências foi o poeta e amigo Allen Ginsberg( na foto Dylan e Ginsberg)


Apesar de serem criticados e ridicularizados, os Beats sobreviveram porque tocavam nos sentimentos reprimidos da juventude de sua época, tornando-se porta-vozes da necessidade do indivíduo de ser reconhecido e valorizado, de ser agente da história e de falar franca e honestamente sobre as coisas que realmente importavam.

Estas características dos Beats foram de especial relevância para a juventude dos anos 50, período do "Macartismo"( perseguição à esquerda no  meio cultural em função da guerra fria). Foi, como bem apontou Peçanha, um tempo em que a maioria dos adultos era acometida de medo, hostilidade reprimida e um simples desejo de continuar vivendo, não importando a qualidade dessa vida"(Peçanha, Op. cit, p. 34) Eram os tempos do que viria ser conhecido como os "anos de ouro" do capitalismo,   em que muitos experimentavam, pela primeira vez, uma segurança econômica, em que a classe média expandia-se sem esquecer a extrema pobreza dos anos da grande depressão. Este povo trabalhara duro e esperava muito para chegar onde estava e uma vez estabelecido, abraçavam os valores e símbolos do capitalismo com rigor fervoroso. Era nesse contexto que surgiam os Beats com sua recusa a essa "felicidade" .

" De repente surgiram aqueles jovens selvagens, com roupas excêntricas, barbudos, fazendo desordem, gritando obscenidades e rindo muito alto. O que mais irritou os membros do establishment literário não foi a maneira mal educada dos Beats,  mas o fato do auditório até então indiferente ou aborrecido tornar-se  extremamente interessado e participante" ( Peçanha, Op. cit. p. 30)

Outro elemento importante dos Beats foi a tentativa não só de escrever novelas e poemas sobre uma vida diferente, mas praticá-la. Quase todos os Beats demonstraram uma capacidade para sobreviver à margem da sociedade de consumo, principal alvo de sua crítica. Alguns foram trabalhar em estabelecimentos educativos e outros buscavam apenas publicar suas obras, essa atitude levava sua marca, faziam  isso não apenas para sua subsistência mas, principalmente, para transmitir o espírito de sua geração.

A publicação de On the Road assinalou uma mudança imediata dos meios de comunicação  de massas em relação aos Beats e em particular a Kerouac, que passou a ser intensamente requisitado para entrevistas em TV e jornais. Sobre essa fama repentina Peçanha nos conta:

"as revistas que o haviam rejeitado de repente pediram o retorno de suas histórias; a Grove Press, que tinha lido seu livro The Subterraneans e estava retardando a publicação, anunciou que o publicaria o mais cedo possível...Um produtor de TV procurou Kerouac para fazer um seriado baseado em On the road. Kerouac não deu importância à idéia e logo o recjaçou. Pouco depois, o mesmo produtor colocou no ar o seriado Route 66, uma clara imitação de On the Road, com um ator que se parecia muito com ele"( Peçanha, 1987, 69)

Kerouac sentia-se desorientado com o repentino sucesso depois de seis anos de trabalho para lançar um livro e também já não se ajustava à imagem de síimbolo Beat. Estava com 35 anos e os episódios do livro haviam ocorrido uma década antes. Ele não era mais o jovem que seus eleitores imaginavam, também sofria uma mistificação sobre o escritor-viajante que negava suas outras obras e poemas.



On the Road remonta a 1951, quando Jack Kerouac despedira-se de seu amigo Neal Cassidy  na Califórnia( este amigo morreria em 1969, no México, seu corpo foi encontrado na beira de uma ferrovia, sendo desconhecido o motivo da morte), e retornara para Nova York pouco depois da publicação de seu primeiro livro The Tow and the City".

Kerouac começou a trabalhar em On The Road experimentando uma  nova técnica que ele chamou de "Prosa espontânea", descrita no livro de Peçanha:

" Não selecione a expressão mas siga os livres desvios da mente( associação) em infinitos mares de idéias, navegando no mar da língua inglesa sem nenhuma outra disciplina além do ritmo da respiração retórica e da sentença falada...Improvise tão fundo quanto quiser- escreve profundamente, procure tão longe quanto quiser, satisfaça a você primeiro e então o leitor não poderá deixar de receber um choque telepático e o significado-excitação pelas mesmas leis operando em sua própria mente" ( Peçanha, Op. cit, p. 70)

Seguindo essa técnica Kerouac buscava escrever o mais rápido possível, sem preocupação de parar e escolher a palavra mais adequada, mas deixar-se seguir pelo ritmo e sonoridade da palavra, de forma a criar uma literatura tão viva quanto a própria vida que descrevia.

Kerouac e seu grande amigo Neal Cassady  que no livro On The Road aparecem como os nomes de Sal Paradise e Dean Moriarty.


Durante os seis anos que Kerouac esperou para ver On The Road nas livrarias, escreveu nada menos que dez outros livros, mas nem todos foram publicados. Escrevia onde quer que se encontrasse e sob quaisquer condições. Foi esse o periodo mais criativo de sua vida e quando teve um caso com Mardou Fox, descrito no livro Subterraneans e que se tornou um triângulo, envolvendo Gregory Corso e Lawrence Ferlinghet. A maior parte de seus escritos foram criados na casa de sua mãe em Long Island, onde permanecia quando não estava viajando. Kerouac tentara pagar o aluguel de sua mãe fazendo trabalhos dos mais diversos, mas sua mãe conseguia manter a casa trabalhando em uma fábrica de calçados.

Kerouac continuou viajando sem descanso. Escrevia sempre que parava um pouco, á máquina, a lápis, chegando mesmo a gravar suas idéias. O único emprego que manteve por certo tempo foi o de guarda freio na ferrovia Southern Pacific, que lhe possibilitava viajar pela costa do pacífico. Mas Kerouac trabalhou em  tudo, pois  em suas viajens muitas vezes precisava fazer biscates para sobreviver. Foi auxiliar de cozinha, jornalista esportivo, apanhador de algodão, carregador de mudanças e aprendiz em fábrica de papel laminado.

Jack Kerouac casou três vezes, o primeiro casamento em 1945 durou três meses, o segundo em 1950 foi de seis meses e o terceiro em 1962 com Stella Sampis que viveu com ele e sua mãe até sua morte em 1969. Kerouac passou seus  ultimos anos morando com sua mãe, já inválida, ele dizia que continuava a viver com ela porque quando da morte de seu pai, prometera-lhe cuidar dela. E sempre frisava que escrevera tanto graças a ela, que com seu trabalho garantia o sustento de ambos.

Kerouac morreu em 1969, em St. Petersburg na Flórida, aos 47 anos. Tinha chegado a pouco a esta cidade com sua esposa e sua mãe para que esta pudesse se beneficiar do clima local. Kerouac morreu de hemorragia no estômago causada pelo excesso de bebida. Duas semanas antes de falecer, acabara em rápidos momentos de inspiração um livro iniciado em 1951. Kerouac foi enterrado em Lowell, onde poucos amigos compareceram ao seu funeral, entre eles John Clelon, Allem Ginsberg e Gregory Corso. deixou uma filha, Ian Kerouac.( Peçanha,1987,p.76)

Jack Kerouac pronto para colocar o Pé na estrada


Segundo Cook " Kerouac morreu vitima dos seus anseios inquietantes e da profunda alienação que ele sentia da cultura que o criou e da contracultura que ele ajudou a criar"( Cook, 1971, p. 5). Para  Cook fora Kerouac quem batizara toda uma geração ao dizer: " Você sabe, isto é realmente uma geração beat".


 

Dylan e Allen Ginsberg visitam o túmulo de Jack Kerouac para homenageá-lo


  
Dylan e Ginsberg cantam juntos

Os Beats constituiram-se, portanto, como a expressão mais importante de uma parcela de jovens dissidentes e isso porque não apenas fugiram de uma sociedade, mas fugiram para constituir um mundo alternativo com seu próprio ethos e Kerouac com sua importante obra representou essa visão de mundo que questionava profundamente o status quo.

Nesta primeira década do século XXI  onde o modo de vida questionado pelos Beats e posteriormente pelos Hippies parece ter vencido, principalmente com o avanço do neoliberalismo a partir dos anos 80, é muito dificil encontrar "dissidentes" com a imaginação e a criatividade da geração Beat, mas talvez os indignados de hoje carreguem um pouco da rebeldia Beat, mesmo que não saibam disso, o que nos permite acreditar que uma nova geração Beat possa ressurgir, e talvez  vencer a mediocridade que a geração capitanead por Kerouac não conseguiu vencer.


 
"Uivo" filme ainda inédito no Brasil sobre a vida de Allen Ginsberg


Nova edição pocket  de "On The Road" da L&PM


PS: O livro On the Road de Jack Kerouac foi publicado no Brasil pela primeira vez em 1984 pela editora Brasiliense, com o título de "Pé na estrada" , com tradução do jornalista Eduardo Bueno.  Posteriormente teve diversas edições por essa editora. Também a Editora L&PM lançou nos anos 80 a coleção "Olho da Rua" com as obras dos escritores Beats como "Uivo" de Allen Ginsberg, as obras de Gregory Corso e Lawrence Ferlingheti. Atualmente estão sendo reeditadas pela L&PM em edições pocket uma grande quantidade de obras de Kerouac, inclusive On The Road.

Referências:

CASSADY, N. O primeiro Terço, L&PM, Coleção Olho da Rua, 1986.
GINSBERG, A.UIVO Kaddish e outros poemas, L&PM, 1984.
PEÇANHA, D.Movimento Beat, rebeldia de uma geração, Vozes, 1987.
PEREIRA, C. O que é contracultura, Brasiliense, 1985.
KEROUAC, J. On The Road: Pé na Estrada. Brasiliense, 1988.
_____________Os vagabundos iluminados, L&PM, 2007.
_____________Despertar de uma vida de Buda, L&PM, 2010.

terça-feira, 18 de setembro de 2012

O misterioso coração de Sérgio Sampaio

Como temos feito aqui no blog, garimpamos na internet o que é publicado sobre Sérgio Sampaio para postarmos no blog. Encontramos um belo artigo de Léo Nogueira que publicamos.





Há exatos 17 anos morria o compositor "maldito" Sérgio Sampaio, de uma crise de pancreatite. A título de curiosidade, pesquisei no arquivo da Folha de São Paulo e encontrei uma ínfima nota, escrita por free-lance, numa lateral de página dedicada aos obituários onde se lia: "O cantor e compositor Sérgio Sampaio, 47, morreu às 5h de ontem, no Rio. Autor da música Bloco na Rua (sic), Sampaio morreu de pancreatite crônica. Ele estava internado no Hospital Quarto Centenário, no centro, desde abril. O enterro será hoje, às 10h, no Cemitério São João Batista". Só. Como se se tratasse de um anônimo. Bem, pelo menos, se o nome do sujeito lhe gerava dúvidas, sua associação à música "Bloco na Rua", ou melhor, Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua, certamente lhe deve ter lançado luz. Afinal, quem nunca ouviu "Eu quero é botar meu bloco na rua/ Brincar, botar pra gemer/ Eu quero é botar meu bloco na rua/ Gingar, pra dar e vender"? Pois então, Sérgio Sampaio é o autor da canção que contém esses versos, canção esta que participou do VII FIC (Festival Internacional da Canção), em 1972, vencido por Fio Maravilha, de Jorge Ben (muito antes de vir a ser Ben Jor). No entanto, o lançamento logo em seguida de um compacto com Eu Quero É Botar... ultrapassou a considerável soma de 300 mil vendas.

O Brasil tem tantos bons compositores, que acabamos nos acomodando com os que estão, digamos, mais à mão, sem nem sequer imaginar que um pouco de pesquisa fatalmente nos faria esbarrar em outros artistas de grandiosa obra, talvez maior até do que a de nossos queridinhos midiáticos. Foi o que aconteceu comigo em relação a Sérgio Sampaio. Apesar de não estar de todo alheio a ele e a sua obra, e apesar de ter em minha casa uma discoteca/cedeteca considerável, não possuía nada dele. O acaso veio preencher-me essa lacuna.

De maneira politicamente incorreta, deparei-me com a obra-prima Cruel, CD póstumo e trabalho incompleto, que, graças à costumeira generosidade de Zeca Baleiro, que o concluiu e lançou (por seu selo Saravá Discos), veio finalmente à luz doze anos após ter sido fecundado. E o impacto em mim foi tão fulminante que não tive outra saída que não ir a esses blogs amigos baixar sua discografia anterior, visto que seus discos permanecem fora de catálogo. A conclusão a que cheguei foi a de que o Brasil perdeu um compositor em plena evolução, pois uma mais apurada análise mostrou-me que estava havendo uma melhora gradativa disco a disco. A se manter essa linha de evolução e a doença não lhe subtraísse os anos, viriam discos primorosos na sequência de Cruel.

Claro que são conjecturas. Pode ser que seu inconsciente, trabalhando tendo em vista a fatalidade que se aproximava, tenha-o motivado a criar tão viscerais e pungentes canções. Não foi sem um quê de melancolia que assisti a sua situação retratada em alguns vídeos caseiros disponíveis no youtube com imagens suas, magérrimo, cantando e tocando alucinadamente, de bermudas e chinelas, no que pareciam ser residências simples. E, quando seus olhos miravam a câmera, havia neles fúria, fome, raiva, medo, deboche... Uma verdadeira fera acuada usando suas armas (a música) pra se defender... e atacar... Sorrindo.

O sucesso que Sérgio Sampaio conquistou no começo de sua carreira (e que nunca viria a se repetir) é o que a maioria dos artistas passa a vida perseguindo. Só que, no seu caso, foi sua própria destruição. Despreparado (e desprevenido) por esse sucesso que lhe caiu na cabeça como uma rocha que despencasse da montanha, Sampaio, naturalmente, foi até os limites do que tal condição lhe permitia, às vezes até os ultrapassando. Sérgio Natureza, um de seus poucos parceiros, disse à Folha, quando do lançamento de Cruel, que a carreira do amigo foi atrapalhada por seu temperamento. "Ele era muito inteligente e defendia seus porquês com toda a força. Era transparente, claro, franco, o que talvez não fosse politicamente correto". Seu primeiro LP, mesmo contendo Eu Quero É Botar..., obteve vendas bem aquém do que se esperava, e assim, sucessivamente, ao passo que lapidava cada vez mais suas canções (e sua poesia), mais se afastava do sucesso com o qual quase sem querer se deparara.

Contudo, ou talvez por isso mesmo, essa derrocada artística proporcionou-lhe uma experiência de vida que lhe possibilitou construir, à margem da indústria, uma das obras mais relevantes (e subestimadas) da música popular brasileira. Não à toa Sampaio, descoberto por Raul Seixas, apesar de ter construído uma obra na qual predominavam ritmos brasileiros, é, não raras vezes, associado aos roqueiros, chegando mesmo a ser admirado por muitos destes. O fato é que, assim como sua vida não conhecia fronteiras, sua canção ia pela mesma estrada. Eclético e livre, sem as amarras que uma gravadora lhe imporia, usava e abusava de sonoridades e ritmos os mais variados, de acordo com o que quisesse dizer. Assim, rock, jazz, choro, samba e o que mais coubesse em seu volão não passavam de ferramentas pra que dissesse o que tinha pra dizer. E ele tinha muito.

Tiro o chapéu pra Zeca Baleiro, que conseguiu finalizar Cruel com o amor necessário pra não deturpar um trabalho tão ímpar como o de Sampaio. Como, infelizmente, não encontrei esse CD em nenhuma loja (tomaria nas prateleiras o espaço de futilidades mais consumíveis), tive que o baixar, assim como aos anteriores Eu Quero É Botar Meu Bloco na Rua (1973), Tem Que Acontecer (1976) e Sinceramente (1982). O que quero dizer é que passei a ouvir na sequência as canções dos quatro discos, e a impressão que me deu foi a mesma de ler um bom livro em vários capítulos. Ou seja, o enredo avança, mas a linearidade no estilo permanece. Ouso dizer que, se Sampaio tivesse vivido tempo suficiente pra finalizar ele mesmo seu último disco, não teria chegado a um resultado muito distinto do que o alcançado por Zeca. E, ainda assim, ouvem-se ecos do Baleiro ali, o que dobra o interesse sobre o trabalho.

Entre as tantas frustrações acumuladas por Sampaio, talvez a maior delas tenha sido não ter nunca conseguido que seu ídolo maior e seu conterrâneo Roberto Carlos (ambos nasceram em Cachoeiro de Itapemirim-ES) gravasse algo seu. Passou perto, pois foi gravado por Erasmo. Mas, se não logrou o intento, em algo se parecia com o "Rei". E, por que não dizer?, com o próprio Chico Buarque: Roberto excomungou seu talvez maior sucesso, Quero Que Vá Tudo Pro Inferno; Chico deixou A Banda a ver Titanics; e Sampaio nunca resolveu a equação de ter que conviver o resto da vida à sombra de seu "Bloco na Rua". Como na canção que fez pra seu pai, Pobre Meu Pai, bem desabafava: "Hoje, meu pai/ Não é uma questão de ordem ou de moral/ Eu sei que eu posso até brincar/ O meu carnaval/ Mas meu coração é outro".

Batesse hoje seu coração, Sampaio certamente lhe diria: "Suje os pés na lama/ e venha conversar comigo"; afinal, "um livro de poesia na gaveta não adianta nada,/ lugar de poesia na calçada"; saiba que, "tropeçando bêbado pelas calçadas/ me recordando de não ter bebido nada/ e olhando essas luzes que se apagam lentamente,/ eu sou a luz e a semente". É que "quanto mais eu sofro/ mais coração me aparece"; e "tanto faz eu ser poeta ou pirado/ tanto faz ser inocente ou culpado/ tudo isso é tão normal/ a porta sempre vê o outro lado". Mas eu "tive cuidado de ter os pés quase sempre no chão/ e a cabeça voando/ como se voa na imaginação,/ longe do resto do bando,/ mas sempre perto do meu coração"; porque "mais do que cantar pra o mundo inteiro,/ eu quero cantar primeiro/ só para o seu coração"; no entanto, "pra você que mal enxerga,/ uma nave extraterrena/ vai ser sempre um avião"*. Por isso que acho que "não há nada mais sozinho/ do que ser inteligente/ e poder cantarolar,/ errar, desafinar,/ assim sinceramente". Só eu "sei como dói meu amor de poeta,/ se vê linha reta/ quer logo entortar,/ meu coração é de quem não tem cura/ procura e torna a procurar/ e você nunca esta lá". Mas, fazer o quê?, "quem é do amor é mais quente/ viaja contra a corrente/ tem sangue de aguardente/ nas doces veias do amor"; por isso "pus meu carro no declive sem sequer o freio de mão/ e amei como se o amor fosse o esteio da vida". E é por isso que "solto meus bichos/ pelas músicas quando me aflijo,/ mas um homem sem esse feitiço/ e sem um carinho a que recorrer/ pode matar/ querer morrer,/ pois perdeu todo o sentido de viver"



*Fragmento extraído da canção Cabra Cega, melodia de Sampaio e letra de Sérgio Natureza.