sexta-feira, 16 de maio de 2014

20 anos sem Sérgio Sampaio





Em homenagem aos 20 anos sem Sérgio Sampaio, o blog reproduz a matéria do jornalista Leandro Reis do jornal GazetaOnline que destaca as homenagens que serão realizadas este ano para o genial maldito Sérgio Sampaio:


Visceral, poeta, gênio. Incompreendido, injustiçado, marginalizado. Turrão, teimoso, irascível. Maldito. Os epítetos para definir Sérgio Sampaio são muitos, e nenhum deles dá conta da figura mítica do músico cachoeirense. Os clichês, na verdade, vêm feito muletas, no amparo do desconhecimento de uma obra faustosa, ainda relegada ao subterrâneo do imaginário nacional. Vinte anos após sua morte – ele foi vítima de uma crise de pancreatite, derivada do abuso de álcool –, completados hoje, uma série de projetos têm tentado resgatar do limbo o nome de Sampaio, desde shows com seu repertório e página na internet a gravações de faixas inéditas.

O movimento coletivo de revisita a Sampaio conheceu início forte em 1998, quando Sérgio Natureza, parceiro e amigo do capixaba, reuniu nomes como Lenine e João Bosco no “Balaio do Sampaio”. Daí vieram discos relançados por Zeca Baleiro, shows dentro e fora do Espírito Santo, bloco de carnaval e festivais em tributo ao conterrâneo de Rubem Braga.

Agora, uma nova safra de projetos bate à porta do segundo semestre deste ano. Quase todos têm o dedo de João Sampaio, filho do cantor. A iniciativa mais completa é o site “Viva Sampaio”, que pretende compilar depoimentos de amigos e familiares, análises da obra, manuscritos e outros materiais. O projeto deve sair em dois meses. “As pessoas se sentem incomodadas com o fato de o Sampaio não ter o reconhecimento que ele merece. É aquela coisa a que nós estamos acostumados aqui: o sentimento de falta de memória”, opina João.

O filho de Sampaio é o motivo da faixa “Menino João”, lançada de modo inédito na web, na voz de Inara Novaes, arranjos de Tiago Gomes e direção musical de Daniel Obino e João Sampaio. A música nasceu em 1984, um ano após o nascimento do filho no Rio de Janeiro. “Quando eu estava com ele, era a minha libertação. Não tinha hora pra nada: comia bala o dia inteiro, almoçava às quatro da tarde, tomava refrigerante antes do café da manhã. Ele me permitia viver a vida desregrada que ele vivia.”

João lembra que, apesar do nome de Sérgio Sampaio gravitar em seu personagem controverso, sua convivência com o pai revelava uma figura muito mais humana do que mítica. “Ele sempre foi superatencioso, até quando foi morar na Bahia. Em casa, não havia esse personagem meio Tim Maia. Sampaio foi o cara que me iluminou com as música dele”, diz Um lançamento que apreende a humanidade de Sergio Sampaio é a biografia “Eu Quero é Botar Meu Bloco na Rua”, de Rodrigo Moreira, com terceira edição planejada para a segunda metade do ano. O biógrafo atribui o recente interesse pela obra do capixaba a seu aspecto contemporâneo.

O material que ele escreveu não está datado. Letra e música podem ser absorvidas hoje sem soar anacrônicas”, explica Rodrigo. Para o autor, Sampaio vagou pelas ruelas da MPB por sua postura diante do controle mercadológico. “Ele não era fácil de se dobrar aos esquemas comerciais. Não se vendeu, continuou fiel a seus princípios, à sua própria história. Com o tempo, as gravadoras não deram mais chance pra ele.”

Rodrigo afasta a pecha de “maldito” do compositor cachoeirense. “Isso fazia sentido em 1970, mas depois se tornou uma coisa prejudicial. Sampaio não é ‘maldito’, não. Ele é um bendito.”

Os lançamentos

Biografia
A terceira edição de “Eu Quero é Botar Meu Bloco Na Rua”, de Rodrigo Moreira, lançada pela primeira vez em 2000, está prevista para sair no segundo semestre deste ano. Ampliada, a obra terá novas informações e outros depoimentos de quem conviveu com Sampaio.

Documentário
O jornalista Chico Regueira está produzindo um documentário sobre a vida do músico capixaba. A ideia de Regueira, segundo o filho de Sampaio – óbvio colaborador do filme –, é finalizar ainda em 2014 e lançar “na marra” em breve.

EP
De três dias de gravações em um estúdio carioca, nasceu um EP com seis músicas de Sampaio, metade na voz de Inara Novaes e a outra parte comandada pelo violonista Tiago Gomes. O disco também deve sair neste ano, com alguns shows para divulgação.

Site
Principal projeto entre os tributos a Sérgio, o site “Viva Sampaio”, ainda em construção, vai reunir cifras, videoaulas, depoimentos, análises, documentos, fotos e vídeos do cantor. Para o conteúdo todo ficar pronto, segundo o filho João, faltam cerca de dois meses de trabalho. Acesse: vivasampaio.com.br

Turnê
Após dois shows em abril, Chico Salles volta em junho ao Estado para apresentar “Sérgio Samba Sampaio”, em Linhares (dia 06), Montanha (dia 07) e Afonso Cláudio (dia 08).

Vinil

Um show que Sérgio Sampaio fez no Cine Metrópolis, na Ufes, em 1993, vai virar disco de vinil. O lançamento está em fase de captação de recursos, mas deve acontecer ainda em 2014.



Show realizado ontem em Porto Alegre homenageando Sérigio

domingo, 21 de abril de 2013

Febre do Rato:Um manifesto libertário, por Paulo Marques




Este sensacional filme  ganhou o prêmio de Melhor Filme do Festival de Havana, encerrado na sexta-feira (19/04/2013)



Nesse final de semana assisti o filme Febre do Rato, de Cláudio de Assis ( autor de Amarelo Manga e Baixio das bestas) . Realmente  Febre do Rato é um filme fantástico, um verdadeiro  manifesto libertário. O tema central é a vida de um poeta anarquista do Recife. Um  "marginal", exemplo daqueles que  permanecem à margem; que não se integram e encaixam nos modelos ditos "corretos", "únicos",  que não aceitam o maniqueismo do "bem" e "mal" , "certo" "errado" do sistema opressivo que vivemos.

Ousamos  dizer que os "marginais", poetas, "loucos", "subversivos", "radicais", são os que mais se aproximam do que poderíamos identificar como aqueles que vivem uma vida libertária, humanamente emancipada como diria Marx e  demasiadamente humana,  como diria Nieszche.

Febre do Rato é uma expressão popular típica da cidade do Recife que designa alguém quando está fora de controle, alguém que está danado. O filme conta a história do poeta anarquista Zizo, que publica um tablóide como o nome de Febre do Rato auto-organizado e financiado por ele próprio, para divulgar sua poesia.  A história se passa na periferia do Recife e é inspirada em um poeta real também de nome Zizo, entretanto, o filme não é uma cinebiografia, mas a representação, em forma de ficção, de muitos  artistas como ele,  sempre presentes nas margens da  sociedade, cindida entre os "incluídos" no sistema e os "excluídos". O filme é uma homenagem aos "Zizos" que vivem, criam e incomodam, pois suas  vidas e historias demonstram que a vida é bem mais do que aquilo que querem nos fazer crer que seja a "correta","do bem", desde que nascemos. É um grito de liberdade e um soco na cara dos conformistas.

Em uma das cenas quem Zizo conversa com seu amigo no bar, diz o poeta:
  
" ...As pessoas ficam falando em futuro, mudança, mas não estão nem aí pras 
 coisas que realmente contam... Perderam a capacidade de espernear para as coisas mudarem, desaprenderam.."
 
Ao assistir o filme foi impossível não pensar na canção de Sérgio Sampaio,"Cada lugar na sua coisa", onde o poeta canta "Um livro de poesia na gaveta não adianta nada, lugar de poesia é na calçada".   O poeta Zizo representa, literalmente a poesia na calçada, de que nos fala Sampaio.




Anarquista e por essência libertário,o personagem Zizo vive a liberdade do ser e do fazer, do  amor livre, da criação, dos sonhos vividos na sua própria realidade. O Poeta como um Epicuro do século XXI, vive cercado de seus amigos e admiradores; sua casa é como o jardim do filósofo da alegria, onde constrói sua arte e sua vida de liberdade, sua, e dos seus amigos.

O filme  Febre do Rato  fala de liberdade, mas no sentido mais profundo do termo, que não se confunde com a liberdade liberal-burguesa, limitada à lógica do interesse egoísta, que se resume à manutenção do "direito" a propriedade privada e a exploração do homem  pelo homem. A liberdade do poeta Zizo é a liberdade/libertária do indivíduo que só tem sentido no coletivo, na comunidade, no comúm". Poderíamos falar  que a casa e os amigos de Zizo conformam uma "comuna da liberdade/libertária", um micro cosmos de uma vida de poesia, alegria, solidariedade e liberdade.

Nesse ambiente não há espaço para o individualismo de tipo burguês, baseado na lógica do homem egoísta e isolado dos outros homens e da comunidade;  no homem lobo do homem, que caracteriza a nossa sociedade dos "incluídos". Na "comuna" do anarquista Zizo só há lugar para a amizade, para a festa e a poesia, que é também trabalho autogerido, o amor é livre; livre de preconceitos de idade ( no filme o poeta  se relaciona com uma mulher mais velha); livre de preconceitos de gênero ( é emblemático no filme  o amor entre o amigo de Zizo e um travesti); uma liberdade que ao contrário da lógica "Liberal" não se encerra com a liberdade do outro, mas começa com a liberdade de todos.

Por isso podemos dizer que o filme de Cláudio de Assis é um filme inequivocamente  político, no sentido do político como possibilidade de práxis emancipatória. Uma  emancipação humana como escopo do político, o que implica que o homem é o responsável pela sua emancipação, como possibilidade de um vir a ser libertário. Portanto, falar em emancipação implica falar em auto-emancipação, como um processo de auto-constituição e auto-determinação de subjetividade que é,  a um só tempo social e individual  e,  portanto, práxis libertária. 

Febre do Rato é, nesse sentido,  uma obra libertária, sobre vidas libertárias e auto-geridas,  que são antagônicas à sociedade do controle, da necessidade, da burocracia, da hierarquia, da opressão, da exploração,  da alienação.

O filme termina , como não poderia deixar de ser em um filme político,  mostrando o conflito,  concreto, entre lógicas, "visões de mundo" e prática de vida" que são antagônicas.  De um lado estão os "loucos" anarquistas, libertários,  que se reunem no dia da "independência" ( outra sacada genial do filme), para defender a sua independencia- Independencia em relação à sociedade da opressão e da exploração. Ocupam o desfile de 7 de setembro gritando:

"Somos anarquistas sim!!! Estamos aqui parque até a anarquia precisa de tradição...
...Queremos o direito de errar!!!!

O grito  do poeta afronta o "direito".

Absurdo, reivindicar uma "tradição" anarquista? Nada mais libertário do reivindicar o que não existe,  o que não é aceito. Nesse sentido, o poeta anarquista diz que é preciso uma tradição de liberdade, eis a mensagem.

 Do outro lado o "Estado Democrático de Direito", zelando pela "sociedade" e a "moral", o instituído, não permite o "erro". O "certo" existe para acabar com o "errado", a coerção do Estado se legitima por cumprir esse papel "institucionalizado"

 "Subversão", "Atentado violento ao pudor"; o aparato repressor do Estado age e  o poeta é preso e jogado no rio( eis a metáfor a da condenação sumária aos "incuráveis"). A liberdade tem limites na sociedade de classes, eis a mensagem.

Corte rápido para a "comuna de Zizo", a vida continua, os libertários não precisam de líderes, os libertários tem a sua vida, continuam na margem, Zizo está vivo em cada um de seus amigos, nos poetas que continuam subvertendo a lógica da vida "normal"; Zizo está vivo em cada ato de liberdade/libertária, de grito contra a hipocrisia. É ali, na margem,  que os libertários exigem o seu direito de errar..., seu direito à ser livre...



 O cineasta Pernambucano Claudio de Assis


Sobre o Diretor Claudio de Assis

Cláudio Assis nasceu em Caruaru, Pernambuco, onde  iniciou sua carreira como ator e cineclubista em sua cidade.
Desde seu primeiro longa-metragem "Amarelo Manga", em 2002, já demarcava seu estilo próprio de fazer cinema, sempre incluindo em seus filmes elementos da cultura pernambucana. Reunindo um grande elenco (Matheus Nachtergaele, Jonas Bloch, Leona Cavalli, Dira Paes, Chico Diaz), o filme é premiado nos Festivais de Berlim, Toulouse e Havana. No Festival de Brasília, venceu 7 prêmios, incluindo o de melhor filme pelo júri oficial. No Cine Ceará, vence todos os prêmios, e ganha notoriedade no cinema nacional.
Quatro anos depois, seu segundo longa-metragem, "Baixio das Bestas" (2006), faz um retrato sem concessões do machismo e da violência sexual na Zona da Mata pernambucana e se consagra como o primeiro filme brasileiro a vencer o Tiger Award no Festival de Roterdã.
"Febre do Rato", seu terceiro longa-metragem, é o primeiro rodado em preto-e-branco e venceu oito prêmios no Festival de Paulínia, incluindo o de melhor filme pelo júri oficial.

sábado, 13 de abril de 2013

Humano, demasiado humano, Sérgio Sampaio Vive.




Hoje é aniversário do Sérgio Sampaio. Qualquer coisa que possamos ou queiramos falar sobre o talento e a magia deste compositor capixaba será pouco. Sérgio é daqueles artistas singulares, que deixa marcado no tempo a beleza de sua arte, a poesia e a música. Um trovador, cantautor, como dizem os espanhóis. Esteve a frente de seu tempo, e só agora começa a ser reconhecido pelas novas gerações da música.

Este blog foi criado para homenageá-lo e para divulgar sua obra e de outros artistas que estiveram à margem dos  grandes esquemas e negócios da industria cultural, que transforma arte em mercadoria. Sérgio nunca se vendeu ou aceitou "entrar" no sistema e por isso sua arte esteve muitas vezes inacessível ao grande público. Sérgio vive em sua obra e em todos aqueles que tem sua vida como referência de liberdade, arte, inteligência, política, poesia...


Sérgio estaria completando 66 anos de idade. Morreu como muitos grandes talentos sem o merecido reconhecimento, mas hoje, se torna imortal pelo que criou que continua a frente de nosso tempo. Característica dos genios? Pode ser, mas com certeza uma genialidade que acima de tudo reflete uma humanidade extrema, humano demasiado humano, como diria Nieszche, esse era Sérgio Sampaio.

Para conhecer a história deste grande compositor da nossa MPB na biografia escrita por Rodrigo Moreira "Eu quero é botar o meu bloco na rua"


Abaixo destacamos algumas das belas canções de Sérgio:




 Para homenageá-lo postamos hoje também , além de alguns videos de suas músicas um documentário muito bonito sobre a poesia da música brasileira, "Palavra (En)cantada, produzida em 2008.


quarta-feira, 10 de abril de 2013

FESTIVAL SÉRGIO SAMPAIO 2013



Enviado pelo amigo Alípio:

Esse lindo evento está chegando! A programação do Festival Sérgio Sampaio tá demais! tudo vai acontecer neste sábado, 13 de abril, dia em que Sérgio Sampaio estaria completando 66 anos.

A programação está toda concentrada no Cine Metrópolis. Vitoria ES, a partir das 13h. Ouça o Programa Toca-discos, hoje a partir das três da tarde na Universitária FM, 104,7 ou universitariafm.ufes.br

A programação terá ainda Cartunistas, debates, videoclipes oficiais, documentário, e artistas capixabas fazendo releituras de algumas das grandes obras do Sérgio Sampaio.

Não perca!

Maiores informações https://www.facebook.com/sergiosampaiofestival?fref=ts

Overdose de talentos

Foto realizada com os músicoos do III Festival de Música Popular Brasileira, Teatro Record-Centro, quando Edu Lobo ganhou com "Ponteio", 1967. Uma foto histórica que mostra a reunião dos maiores talentos da nossa Mṹsica Popular Brasileira. Nela podemos ver: Nara Leão, Sidney Miller, Rita Lee, Marilia Medaglia, Edu Lobo, Chico Buarque, Nana Caymmi, Sergio Ricardo, Roberto Carlos, Caetano Veloso, MPB4, Beat Boys, Gilberto Gil e Geraldo Vandré (arquivo Luís Avelima) — com Nara Leão, Sidney Miller, Marilia Medalha, Edu Lobo, Chico Buarque e Caetano Veloso

sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Fernanda Montenegro e Daniel Oliveira interpretam "Maiúsculo", obra prima de Sérgio Sampaio em especial de fim de ano na TV


 Fernanda Montenegro e Daniel de Oliveira mostraram todo seu talento musical para o especial de fim de ano "Doce Mãe". Os atores entraram em estúdio para gravar, entre outras canções,  ‘Maiúsculo’, de Sergio Sampaio, no programa que a Rede Globo exibiu no dia 27 de dezembro.


 Quem assistiu ontem o especial de fim de ano  da Globo, "Doce Mãe", protagonizado por Fernanda Montenegro, produzida pela Casa de Cinema de Porto Alegre e dirigido  pelo talentoso Jorge Furtado teve o privilégio de assistir uma linda cena onde Fernanda Montenegro e Daniel de Oliveira cantam uma das mais belas canções de Sérgio Sampaio, "Maiúsculo". Essa canção só foi gravada postumamente a partir da descoberta de gravações inéditas de Sérgio Sampaio feita por Zeca Baleiro para o disco póstumo "Cruel", lançado em 98 que traz todo o talento de Sérgio.
 A canção  "Maiúsculo" é  mais uma de suas obras primas que podem ser descritas como autobiográficas, falam de suas angustias, seu modo de ver o mundo, que retratam  a vida do artista dele e de muitos outros; criador  e criatura de sua arte, uma arte baseada na liberdade, nos sonhos, medos, angustias : "Vive ao avesso/Medo conhece bem/Sem endereço/Como é que pode/ Não fazer mal também".
"Sou o que sou" é o recado de Sérgio presente em muitas de suas canções. A independência, o não aceitar o que é dado assim como o  reconhecimento de seus "vícios", explicitam o Sérgio Sampaio à margem do sistema que pretendia e pretende "enquadrar" a todos. Ele sabe o que precisa, o que toda pessoa necessita, o carinho para não perder o sentido da vida: Solto meus bixos/Pelas músicas quando me aflijo/Mas um homem sem esse feitiço/E sem um carinho a que recorrer/Pode matar/Querer correr/Pois perdeu todo sentido de viver. Sérgio fala no "sentido de viver" , no carinho,  tudo que ele buscou em sua música e que é a expressão dos mais profundos sentimentos sempre presentes nos seres humanos.

Na cena o mendigo/artista/ser humano/ declama " Tenho meus vícios/Vivem dentro de mim esses bixos/São o pai e a mãe dos meus lixos/E às vezes me levam de mal a pior/Pergunto quem/Não sabe disso/Os momentos em que a vida não tem dó..."

A cena termina com os dois cantando o trecho " Quase não dorme/Vive ao avesso/Medo conhece bem/Sem endereço/Como é que pode/Não fazer mal também..."

 
Maiúsculo ( Sérgio Sampaio)


Como é maiúsculo
O artista e a sua canção
Relação entre Deus e o músculo
Que faz poderosa a sua criação
Pensando bem
É um mistério
Como é misterioso o coração

Como é minúsculo
O olhar de quem vive no escuro
Um sujeito malvado e burro
Alguém machucado como não ter um bem
Não tem porém
Mas tem um tédio
Não ser vítima do assédio de ninguém

Quase não dorme
Vive ao avesso
Medo conhece bem
Sem endereço
Como é que pode
Não fazer mal também

Tenho meus vícios
Vivem dentro de mim esses bixos
São o pai e a mãe dos meus lixos
E às vezes me levam de mal a pior
Pergunto quem
Não sabe disso
Os momentos em que a vida não tem dó

Solto meus bixos
Pelas músicas quando me aflijo
Mas um homem sem esse feitiço
E sem um carinho a que recorrer
Pode matar
Querer correr
Pois perdeu todo sentido de viver



sexta-feira, 30 de novembro de 2012

Lançada nova edição da Biografia de Torquato Neto



Neste mês de novembro que  foi lembrado os 40 anos do suicídio de Torquato Neto, o "anjo torto" da Tropicália, o jornalista Kenard Kruel lançou a 3 Edição da mais completa biografia de Torquato.

Os bons morrem cedo...

Com apenas 28 anos de idade, o poeta/compositor/agitador cultural/jornalista e um dos mentores do tropicalismo, junto com Caetano e Gil, teve, como muitos gênios uma vida breve, mas que ficou  marcada até hoje pelo que criou e inspirou.

Em outubro passado publicamos um post em nosso blog em homenagem à Torquato : http://viajeidetrem.blogspot.com.br/2012/10/existirmos-que-sera-que-se-destina.html, contando um pouco deste "maldito" e sempre atual poeta brasileiro.

Torquato se destacou pela irreverência e rebeldia. “A vida breve, mas fecunda, de Torquato Neto é uma síntese da grandeza, mas também dos abismos que definem a cultura alternativa e rebelde dos anos 60 e 70”, diz o escritor José Castello. A sua rebeldia figurava também em sua aparência. Seus cabelos compridos e roupas ao estilo hippie o configurava como um homem que recusava o mundo que vivia. “Ele tinha a vontade de destruir o mundo para, nesse mesmo gesto, fazer o parto de um novo”, acrescenta José Castello


Uma semana antes do AI-5 (o famigerado Ato Institucional nº 5, que tirou dos brasileiros todos os seus direitos constitucionais), Torquato foi contemplado com uma bolsa de estudos para escrever sobre as influências africanas na MPB. Assim, viaja para os EUA e Europa no final de 1968. Em Londres ele encontra com os baianos Caetano e Gil, em exílio político, depois da prisão no Brasil.  Entre outras coisas, conta que um dia foi visitar Jimi Hendrix em seu ap e o encontrou ouvindo “aquele álbum branco dos Beatles”. No final de 1969, volta ao Brasil rompido com os baianos.
 Sua morte foi uma retirada inesperada. Na madrugada de 10 de novembro de 1972, 1 dia após completar 28 anos, ele e sua mulher, Ana Maria dos Santos e Silva, voltaram de uma festa. Ela foi dormir. Ele trancou-se no banheiro, ligou o gás e suicidou-se. Deixou o seguinte bilhete : “Tenho saudade, como os cariocas, do dia em que sentia e achava que era dia de cego. De modo que fico sossegado por aqui mesmo, enquanto durar. Pra mim, chega ! Não sacudam demais o Thiago (seu filho de 3 anos), que ele pode acordar”.

Quem conhece bastante Torquato Neto é seu primo e admirador , George Mendes, tinha apenas 14 anos quando Torquato se suicidou. Em entrevista publicada no blog do jornalista Kenard, George falou um pouco sobre seu primo Torquato:

 Bom, eu costumo dizer que o Torquato é um artista multimídia. Provavelmente, um dos maiores artistas multimídia do Brasil e o primeiro do Piauí. Torquato trabalhou em música, no cinema, literatura e exerceu o jornalismo cultural durante muito tempo. Ele é uma artista de várias linguagens, que são sintetizadas na poesia. A sua essência era a poesia. E como poeta foi compositor, ele compôs letras de música, ele morreu sem deixar um livro publicado de poesia, propriamente dita, mas tem dois livros a serem publicados. Atuou como cineasta, ator, roteirista e artista plástico. Uma coisa que é instigante no Torquato é a gente lembrar que ele morreu tão jovem e construiu uma obra tão instigante, tão vasta e ao mesmo tempo tão quantitativamente pequena. Em dez anos, ele foi capaz de construir uma bora tão inovadora, de tal forma que ela conseguiu se eternizar no tempo. Para você ter uma ideia, as obras de Torquato foram construídas em uma trajetória que começa em Teresina, vai a Salvador, Rio de janeiro, São Paulo, Londres, Paris e Rio, onde ele terminou falecendo...

... Ele era um artista singular, ele não apenas dizia o que ele achava que devia ser feito, ele fazia. Então foi um homem que deu o seu testemunho da concepção artística, do seu fazer artístico, assinando a vida com a própria morte. Se existe uma coisa permanente na obra dele, era essa dualidade entre morte e vida. O Torquato dizia que a morte era o começo de tudo. Ele era filho de um espírita, o pai e de uma católica, a mãe. Ele não escolheu nenhum dos dois, juntou as duas coisas em tudo. Para ele, viver era morrer e morrer era viver, e ele fez isso de uma forma que espantou a todos. Se a gente for pensar nos padrões normais, como passa na televisão, Torquato era tão jovem, tão brilhante e morreu tão cedo e ao mesmo tempo podia ter tido uma carreira brilhante. Se pensarmos o que ele seria hoje, fico imaginando: será que a carreira dele o levaria para uma fama que ele nunca quis, o estrelato que ele nunca quis? Se continuando a vida, ele passaria a cantar? Eu digo que não, porque ele era desafinado. Ele não tocava um instrumento, mas tinha um ouvido extremamente musical. O Gil diz em uma entrevista que fazer música com Torquato era muito fácil, pois ele trazia a música muito pronta, a maneira que ele escrevia já construía a música. Ele sabia a palavra escrita, falada, e sabia o tempo das coisas. É um cara que se tornou importante para a cultura brasileira....


 ....O Torquato se tornou importante para a cultura brasileira, por conta dele, da vida dele, sem medir consequências convencionais. Com isso ele conseguiu se tornar um ícone da contracultura, da tropicália, com disposição de sempre contrariar as coisas. Então, ele nunca foi bonzinho. Ele tinha um jeito meigo e quieto, mas o Torquato era um vulcão criativo, ele nunca quis cultivar o estabelecido, nunca quis louvar aquilo que está na vida de todo mundo. Se você pegar os primeiros poemas de Torquato, você se espanta com a facilidade que ele tinha com as palavras, ele escrevia sobre tudo, escrevia compulsivamente e com uma qualidade impressionante sobre o que vinha na cabeça...

A entrevista completa com o primo de Torquato está no blog: http://krudu.blogspot.com.br/2012/11/torquato-neto-o-maior-multimidia-do.html


Os artigos de sua coluna na Última Hora (Rio de Janeiro, entre 1971 e 1972), ”Geléia Geral”, e poesias inéditas, foram reunidos no livro “Os Últimos Dias de Paupéria”, organizado por Waly Salomão e Ana Maria.

Para quem não conhece a história de vida e a rica obra poética e músical de Torquato, tem a oportunidade de conhecê-la nesta belo livro biografia do jornalista piauiense(conterrâneo de Torquato) Kenard Kruel(que vem pesquisando a vida e a obra  de Torquato a mais de 30 anos) que lançou a 3 edição, revista e ampliada da  biografia do poeta: O livro "Torquato Neto ou a Carne Seca é Servida", uma obra de fôlego, com  mais de 600 páginas imperdíveis para quem já conhece ou quer conhecer Torquato Neto.




O Título é inspirado no poema "Todo dia é dia D" de Torquato


Desde que saí de casa
trouxe a viagem da volta
gravada na minha mão
enterrada no umbigo
dentro e fora assim comigo
minha própria condução
há urubus no telhado
e a carne seca é servida
escorpião encravado
na sua própria ferida
não escapa, só escapo
pela porta da saída
todo dia é o mesmo dia
de amar-te, amor-te, morrer
todo dia é dia dela
pode ser, pode não ser
Todo dia menos dia
Todo dia é dia D


No Blog de Kenard,  www.krudu.blogspot.com (onde se pode encomendar o livro), encontramos um texto  de Everi Carrara apresentando a nova edição da biografia de Torquato:

O escritor piauiense KENARD KRUEL escreveu o livro TORQUATO NETO OU A CARNE SECA É SERVIDA. Um tijolaço de 622 páginas, abrangendo a vida e obra de Torquato Neto, poeta emblemático da Tropicália, que este ano faz 45 anos de história. O livro é imprescindível para os novatos e as gerações mais antigas que pretendem ler e saber um pouco mais sobre Torquato, o poeta suicidado a 10 de novembro de 1972 por essa sociedade ocidental, capitalista e hostil. É um trabalho de fôlego, pois imagino KENARD KRUEL se debruçando sobre fontes de pesquisas, pessoas, filmes e problemas. O legado de Torquato Neto pode ser também conferido pelas interpretações em discos de CAETANO VELOSO, GILBERTO GIL, ELIS REGINA, EDU LOBO, GAL COSTA, LENA RIOS, GIL, TITÃS, ADRIANA CALACANHOTO e especialmente em NARA LEÃO (minha cantora preferida, que gravou "vento de maio" / "mamãe, coragem" / "deus vos salve essa casa santa"). KENARD KRUEL fez um verdadeiro levantamento sobre a cultura brasileira durante os anos de chumbo, pois Torquato era uma espécie de outsider, um poeta-cidadão em permamente risco contra a idelogia esquerdizante e os milicos. Lembra-me de certa forma pertencer a melhor linhagem espiritual de RIMBAUD, ARTAUD, NELSON RODRIGUES, OS BEATNICKS E ROBERTO PIVA. Ou seja, viveu intensamente os extremos, a vidência, não se enquadrava em modismos, em blá-blá-blá acadêmico para auferir altos salários em universidades e boquinhas governamentais.
Vivia na corda bamba. Era um poeta além, subvertia de fato, o coro dos contentes.
Assim como Nara, ele não fazia concessões ao bom gosto, não se curvava perante o bom mocismo. Caetano relata que "torquato era doce", o que me fez pensar mais na proximidade artística do poeta Torquato com Nara. Ambos meigos, corajosos, sutis, dinâmicos, revolucionários na forma e no conteúdo. Ambos suicidados pelo pensamento hegemônico do consumismo boçal.
Everi Rudinei Carrara: editor do site telescopio, músico profissional, escritor, agente cultural, membro da Abrace / uruguai-brasil, membro efetivo da academia Sala dos Escritores, professor de tai chi chuan.


Como não poderíamos deixar que mencionar a música que Sérgio Sampaio fez a partir de sua amizade com Torquato.

"Que Loucura" ( Sérgio Sampaio)






Cajuína, a bela canção que Caetano fez para Torquato Neto:

Existirmos: a que será que se destina?
Pois quando tu me deste a rosa pequenina
Vi que és um homem lindo e que se acaso a sina
Do menino infeliz não se nos ilumina
Tampouco turva-se a lágrima nordestina
Apenas a matéria vida era tão fina
E éramos olharmo-nos intacta retina
A cajuína cristalina em Teresina