segunda-feira, 20 de agosto de 2012

As pessoas são uns lindos problemas



"A tropicália, depois da apoética ascensão, ressentida da ausência de seus capitães, estendia seu véu sobre as cabeças dos que procuravam na canção uma nova forma de expressão e válvula de escape diante das rudezas do regime(...) Uma nova geração de artistas iniciava sua caminhada, vigiada por um "irmão" nada fraterno, vestido de verde; paisano quando convinha aos mandatários da república de chumbo. Em contrapartida, havia um gosto pelo desafio e pelo novo no ar. A geração hippie estereotipava os hábitos dos artistas alternativos, Sérgio Sampaio, ajustava seus acordes, cérebro, roupas e cabelos ao que a moda em vigor ditava"( Prudêncio, 2010, p.18)

Essa definição do contexto em que surgia Sérgio Sampaio, descrito no estudo de Washington Prudêncio, nos situa no ambiente em que Sampaio compôs suas geniais músicas deste primeiro LP de 1973. Uma das músicas significativas pelo conteúdo que apresenta é "Não tenha medo, não( Rua Moreira, 65) 

Quem mais poderia, em plena ditadura militar dizer em uma canção "Não tenha medo não"? Somente "aquele que disse" "Eu quero botar o meu bloco na rua", o "maldito" Sérgio Sampaio.

Sampaio dizia em suas músicas o que sentia, o que queria o que  muitos não conseguiam, não podiam ou até mesmo preferiam não dizer; A canção "Não tenha medo não", do seu primeiro LP, começa dizendo:  "Suje os pés na lama" e venha me encontrar ; "a barra está pesada, a barra pode aliviar ou não", adverte Sampaio,  isso não importa, ele diz para vir "aliviar o amigo", "Não tenha medo não!!!

Sampaio estende a mão, oferece a solidariedade rara em momentos difíceis, para ele "Pessoas são uns lindos problemas", difícil encontrar uma frase mais cheia de humanidade do que esta.

 Momentos difíceis em que ele ironiza dizendo" eu acho tudo isso uma grande piada", mas tem clareza da censura que o impele a dizer "ou então eu não posso achar", jogo de palavras de uma canção política e crítica, que protestava contra a proibição de dizer o que se pensava e o que se  queria.

"Demore o tempo que for necessário, eu moro longe eu posso nem chegar, "eu posso nem voltar"; uma frase que  se refere ao "estar longe, ao perigo das "viajens"  sem retorno explicitada na inequívoca expressão final da música,  "Eu pó..."

Conforme Prudêncio: " (...) desnecessário dizer que, em que pese sua crescente dificuldade de relacionamento com o mercado do disco, Sérgio não recuou de sua proposta. O resultado de sua lucidez, paradoxalmente, marginal, ousava diálogos com refinamentos que ousavam estar além do seu círculo. Em outras palavras, catapultava sua dialética de um lugar isolado, de cuja base se elaborava sua inserção como artista proprietário de um discurso recheado de argumentos de grande carga confessional e poética. Mesmo na irredutibilidade do "Eu", restrito a um ambiente segregado pela intelectualidade, ofereceu o que se costuma chamar, em literatura, dos universais, sentimentos humanos, nada menos valiosos que o desafio através da arte, usado por seus pares, para contrapor as mazelas do regime totalitário que imperava(...)" (Prudêncio, 2010, p.26).

Eis Sérgio Sampaio, humano demasiado, humano, contra as desumanidades da vida.

Não tenha medo, não! (Rua Moreira, 65)

Suje os pés na lama
E venha conversar comigo
Comigo
Chore, esqueça o drama
E venha aliviar
O amigo
Vem, não tenha medo
Não tenha medo
Não tenha medo, não
Vem, não tenha medo
Não tenha medo, não
Vem, não tenha medo
A barra está pesada
Vem, não tenha medo
A barra pode aliviar
As pessoas são uns lindos problemas
Eu posso até acreditar
Eu acho tudo isso uma grande piada
Ou então eu não posso achar
Não me espera pra beber seu veneno
E nem pra ver você chorar
Demoro o tempo que for necessário
Eu moro longe
Eu posso nem chegar
Demoro o tempo que for necessário
Eu moro longe
Eu posso não voltar
Demoro o tempo que for necessário
Eu moro longe
 Eu pó...

 




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