Jards Macalé, outro "amaldiçoado" pela mídia. Começou carreira profissional em 1965, como violonista no Grupo Opinião. Fez direção musical dos primeiros espetáculos de Maria Bethânia. Teve composições gravadas por Elisete Cardoso, Nara Leão. Com Gal Costa, Paulinho da Viola e o parceiro Capinam.
Segundo Rodrigo Moreira, no livro biografia de Sérgio Sampaio, o carioca Jards Macalé foi o primeiro agraciado com o rótulo de "maldito":
"Na MPB dos anos 70, algumas das mais arrojadas e inventivas propostas musicais vinham dos pós-tropicalistas Jards Macalé, Jorge Mautner, Walter Franco, Luiz Melodia e Sérgio Sampaio- os assim chamados, por alguns críticos e executivos de gravadoras, de "malditos" ( Moreira, 2003, p. 204)
Conforme conta Moreira, Jards Macalé surge na cena tropicalista de barba cerrada e metido em uma bata psicodélica causando furor no Festival Internacional da Canção de 1969, ao apresentar sua canção "Gotham City", numa atuação bombástica: "...Cuidado ! Ha um morcego na porta principal", dizia ele, em meio a uma "consagradora" vaia. Como recorda Moreira, "naquela época, arriscava-se uma carreira em função de propostas estético-musicais que afrontavam toda uma caretice estabelecida e preservada"( Moreira, 2003, p.204)
Em 1969 Macalé lançou o primeiro disco, "Só Morto". Em 1971, foi para Londres a convite de Caetano Veloso, com quem tocou e gravou, participando do disco Transa .
No mesmo ano, volta ao Brasil, e em 1972 lança seu primeiro LP, Jards Macalé. Nesse trabalho mescla rock, samba, bossa-nova, eruditismo, jazz e tropicalismo, chegando perto do que viria a ser o rock brasileiro. Tocado pelo próprio Macalé (violão) acompanhado pelos também geniais Lanny Gordin (baixo e violão de aço) e Tuti Moreno (bateria), o disco tem uma sonoridade crua e nada comercial. As composições são parcerias dele com Capinam, Torquato Neto e Waly Salomão, com quem assina, entre outras, seu maior sucesso, “Vapor Barato”, imortalizado na voz de Gal Costa. Além dessas, ele interpreta “Farrapo Humano” (Luiz Melodia) e “A Morte” (Gilberto Gil).“Jards Macalé” é um álbum muito original e que determinou sua importância artística. Além de ser uma das mais influentes obras da nossa música é também um disco essencial.
Macalé também participou como ator e compositor da trilha sonora dos filmes Amuleto de Ogum e Tenda dos Milagres, de Nelson Pereira dos Santos. Compôs para as trilhas sonoras de Macunaíma de Joaquim Pedro de Andrade, O Dragão da Maldade contra o Santo Guerreiro, de Glauber Rocha,A Rainha Diaba de Antonio Carlos Fontoura, Se segura, malandro!," de Hugo Carvana, Getúlio Vargas, documentário de Ana Carolina. Compôs ainda trilhas sonoras para teatro.
Farinha do desprezo, uma das geniais composições de "Jards Macalé" LP de 1972
LP "Aprender a Nadar" ( 1974)
Aprender a nadar, foi
sua tentativa de arranhar as paradas de sucesso. Foi algo que ele até
conseguiu e que lhe valeu alguma - boa - mídia, mas não o suficiente
para livrá-lo da pecha de "maldito", de anti-comercial. Apesar da pouca
vendagem do primeiro disco, a Philips decidiu manter o contrato do
cantor, que aproveitou para gravar um álbum bem menos "econômico", com
arranjos mais elaborados - ao contrário do primeiro, no qual se
restringia a um grupo básico.
Em Aprender a nadar, aparecem músicos de
estúdio como Wagner Tiso (arranjos, piano), Robertinho Silva (bateria),
Rubão Sabino (baixo) e Ion Muniz (flauta), além de um regional que
inclui os experientes Canhoto (cavaquinho) e Dino Sete Cordas (violão).
Concebido
ao lado de Waly Salomão (que usava a alcunha lisérgica de Wally
Sailormoon) era um disco conceitual, com faixas que tratavam de uma
certa "linha de morbeza romântica" - morbeza, um neologismo inventado
por Waly, era uma mistura de morbidez e beleza, que ele definia como
"uma idéia para identificar uma linha de ação, como uma estratégia da
qual depois se larga e se busca outra".
Tal idéia esteve por trás de
pelo menos quatro faixas do disco, "O Faquir da Dor", "Rua Real
Grandeza", "Anjo Exterminado" (gravada numa versão mais radiofônica por
Maria Bethânia no disco Drama) e "Dona do Castelo", como uma retomada,
sob um viés tropicalizado, da antiga dor-de-cotovelo.
Músicas antigas do
estilo - ou aproximadas a ele - eram revisitadas em algumas
regravações, como "Imagens", de Orestes Barbosa (quase uma
pré-psicodelia, em versos estranhos como "a lua é gema do ovo/no copo
azul lá do céu.../o beijo é fósforo aceso/na palha seca do amor"). O
maior sucesso do LP, no entanto, foi a regravação do clássico "Mambo da
Cantareira", antigo sucesso de Gordurinha - que serviu de pretexto para
Macalé alugar uma barca da travessia Rio-Niterói e pular na baía de
Guanabara ao som da música, na festa de lançamento do álbum. "Orora
analfabeta", outro grande sucesso de Gordurinha, cuja letra sacaneava a
ignorância das elites, também estava no LP, e também fez sucesso (os
versos iniciais são inesquecíveis: "Conheci uma dona boa lá em
Cascadura...").
O lado experimental
do disco ficava por conta de estranhas vinhetas, como as
cinematográficas "Jards Anet da Vida", "No meio do mato" e "O faquir da
dor", além da interface música-artes plásticas-cinema, que encontrava
seu desvelo na arte da capa e do encarte (com fotogramas de
Kakodddevrydo, filme de Luís Carlos Lacerda) e na dedicatória a Lygia
Clark e Hélio Oiticica. Numa época em que o barato era freqüentar
Ipanema, Jards homenageava um dos pedaços mais suburbanos da zona sul
carioca ("Rua Real Grandeza", finalizada com uma engraçada vinheta
baseada em "Pam-Pam-Pam", de Paulo da Portela, na qual Wally "tocava"
chaves e porta).
O disco ainda apresentava o poeta underground Ricardo
Chacal, lendária figura da vida cultural carioca - até hoje, aliás - ao
mundo da música, como letrista de "Boneca semiótica", composta com
Macalé, Duda e o multi-homem baiano Rogério Duarte. ( Foto de Macalé e Texto pescado da página do Facebook "Faixa desconhecida")
" ...esse maldito nos foi dado lá por 70, quando nós, além de fazermos uma música não exatamente como o que estava rolando, éramos o outro lado da moeda. Lutávamos dentro da ditadura. Nossas palavras, atitudes e nossa música nos levaram a um ponto que a indústria fonográfica não sabia como catalogar. Maldito, naquela época, era elogio. O Brasil era um país amaldiçoado. Vários de nós fomos perseguidos, levamos cascudos e acabamos saindo do Brasil, ou expulsos ou porque já era impossível ficar. Só que o tempo passou, da ditadura, caímos na "ditamole" que está aí e ficou o negócio como algo pejorativo. Eles conseguiram fazer isso. Queriam alimentar na época a coisa do maldito para vender nossa poesia, nossa música contra a ditadura. Na era "ditamole" continuou o maldito para anular nossas posições que continuavam e continuam fora do esquadro do Brasil. Então ficou uma coisa de maldito até 1987. Depois, recuso-o totalmente.( Jornal Hoje em Dia, 24/03/1999, publicado em "Moreira, Vou Botar o meu bloco na rua, Muiraquitã, 2003,p.2006)
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